Quarentena, solidão e medo

por Jorge Aragão

 

Por José Sarney

Nunca pensei em minha vida que passaria meses em prisão domiciliar, sem culpa nenhuma, mas por absoluta necessidade de autodefesa.

Só que esta circunstância também é inédita no mundo, pois jamais a Humanidade esteve sob a ameaça de um vírus de ação tão “eficiente”. Ele veio montado na globalização dos meios de transporte, capazes de cobrir o mundo em vinte e quatro horas.

A quarentena, na acepção de reclusão e isolamento para evitar contágio, é atualmente a única maneira que temos para evitar a Covid-19. O esforço mundial para descobrir vacinas, remédios e curas tem mobilizado os laboratórios e centros de pesquisa do mundo inteiro e é até agora infrutífero.

O isolamento para evitar o contágio é prática muito antiga, já registrada na lei mosaica (o Levítico é do século VII a.C.) e na lei islâmica (século VII d.C.). A Newsweek reproduziu esta semana instruções do Profeta: “Se ouvir notícia de praga numa terra, não entre nela; mas se a praga começa num lugar onde você está, não saia dele.” Talvez daí venha certa irritação com a OMS: mandou fazer o mesmo.

O nome que usamos para essa prática de saúde pública data do século 14, para combater a peste negra que se julgava — e era — trazida pelas galeras que aportavam em Veneza. A palavra veneta quarentena queria dizer quarenta dias.
Até as primeiras décadas do século passado, era costume depois do parto as mulheres cumprirem um período chamado de quarentena ou resguardo, para atravessar o puerpério, período a que a OMS considera que não se dá suficiente atenção.

Muitas tribos brasileiras são mais machistas e, em vez da mulher cumprir essa quarentena, são os homens que descansam, ficando recolhidos enquanto as mulheres logo começam a trabalhar. Como as mulheres sofreram ao longo da evolução e ainda continuam na luta para evitar a discriminação!

Eu desejava falar mesmo era sobre a nossa quarentena. No princípio a encaramos com certa naturalidade. Com o desenrolar do tempo, diante do avanço da doença — destruindo todas as economias nacionais, dizimando o emprego, espalhando a fome e colocando à mostra a fragilidade dos sistemas de saúde do mundo inteiro, que não estavam preparados —, foi invadindo todos nós uma solidão misturada com medo, e foi crescendo dentro da gente a falta dos amigos, o martelar das notícias cada vez mais trágicas e certa apatia pelos fatos, distantes e próximos, e ela cada vez mais chegando perto de nossa rua, de nossa casa, com a perda dos amigos sem a misericórdia de um sepultamento cristão, e começou a crescer dentro da gente um sentimento para o qual não fomos feitos. Se pensarmos em algo semelhante, lembramos o banzo, que misturava saudade e o sentimento permanente da morte.

Nossa esperança está na fé de que Deus nos criou e mandou Seu filho à Terra para que não nos sentíssemos abandonados e sem algo superior ao nosso lado.

O medo e a solidão doem. Como dizia Drummond de Itabira: “Apenas uma fotografia na parede. Mas como dói!”

Vamos sair logo de tudo isso e voltarão a alegria e a vida, se Deus quiser!

Meu destino é sofrer

por Jorge Aragão

Por José Sarney

A cena trágica do assassinato cruel de George Floyd em Minneapolis, nos Estados unidos, mais uma vez põe como fratura exposta a situação racial americana, viva em seus requintes de brutalidade e sordidez. Em nenhum lugar do mundo esse problema de discriminação permanece com as características de tanta violência quanto ali. As raízes remontam à escravidão – como aqui -, que precisou de uma Guerra Civil para ser legalmente banida e teve como um de seus marcos o assassinato do grande presidente Lincoln, que teve a coragem de enfrentar o problema.

Sempre fui muito ligado à causa negra no Brasil. Escrevi bastante sobre o assunto e considero a ausência de resgate da escravidão como a maior mancha de nossa História. Desde a Lei Afonso Arinos, que criminalizou a discriminação racial, até hoje, apenas arranhamos a superfície do problema.

Eu era presidente do Brasil quando ocorreu o centenário da abolição da escravatura e, em vez de fazer festas na data, resolvi marcar o meu ponto de vista de que só se resolve o problema com a ascensão da raça negra, inserindo-a na sociedade de maneira a que ela possa ser realmente colocada em igualdade com a raça branca. Criei então a Fundação Palmares, que infelizmente desviou-se de seus objetivos. Há quase 200 anos, José Bonifácio afirmou que a Independência não estava completa porque não enfrentara e resolvera a questão da escravidão e a política de brutalidade seguida durante a Colônia, com a dizimação de tribos indígenas inteiras.

Com essa visão, fui eu quem levantei no Brasil a política de cotas, não somente nas universidades, mas também nos financiamentos e concursos públicos e alcançando as empresas privadas. Apresentei o primeiro projeto de lei estabelecendo cotas, que foram implantadas por iniciativas esparsas e só passaram a vigorar no Brasil quando, com o meu acordo, foram incorporadas parcialmente no Estatuto da Igualdade Racial.

Ao lado de Zumbi – recebi o prêmio que tem seu nome – coloco como símbolo o Negro Cosme, maranhense que fundou o maior quilombo do Brasil e cuja primeira iniciativa foi fundar ali uma escola, enforcado em Itapecuru-Mirim.

Fico solidário e, se fosse mais novo, ia engajar-me no movimento mundial de protesto pelo assassinato de George Floyd. Recompensa ver o mundo inteiro levantar-se e unir-se nessa revolta.

Nabuco disse que o assunto “versa sobre as aspirações, os sofrimentos, as esperanças, os direitos, as lágrimas, a morte de milhares e milhares de gentes como nós; que não é mais uma questão abstrata, mas concreta, e concreta no que há de mais sensível e mais sagrado na personalidade humana”. Não há como negar o que aconteceu: uns foram escravos, outros foram senhores. Uns eram negros, outros eram brancos. O trabalho de resgate não aconteceu, nem no Brasil nem nos Estados Unidos. Portanto, a nossa tarefa é fazê-lo.

Os pretos, de todos os discriminados no mundo, são os que mais sofreram. Seu destino tem sido esse. Vamos acabar com isso e colocar os pretos entre os que formam a elite brasileira. É o mínimo que se pode fazer para pagar a impagável dívida do sofrimento da raça negra.

O perigo é maior

por Jorge Aragão

Por José Sarney

A humanidade foi surpreendida por uma ameaça que, embora profetizada por esporádicas vozes, nunca foi levada a sério. Ao longo de nossa história atravessamos muitas doenças que dizimaram populações inteiras, mas todas elas foram superadas.

A última grande e fundada ameaça foi a descoberta da fissão atômica. Ele deu ao homem o domínio de liberar forças gigantescas, capazes de destruir imensas regiões da Terra. A primeira noção que tivemos da brutalidade desse poder veio quando, estarrecido, o mundo viu as tragédias de Hiroshima e Nagasaki. E não existe nenhuma garantia de que ela não possa fugir do controle do homem e antecipar a catástrofe da destruição da vida na face da Terra com os instrumentos que o próprio homem construiu.

Hoje o arsenal de ogivas nucleares armazenados pelos países que dominam a fissão e a fusão nuclear é de mais de nove mil, somadas as de todas as potências nucleares. Daí o esforço do mundo inteiro no sentido de conter esse avanço através de organismos e tratados internacionais. No fundo a luta pelo poder hegemônico do mundo repousa sobre a força.

Esse esforço e essa corrida armamentista monstruosa – retomada nos últimos tempos por Trump e Putin – de repente foi colocada em segundo plano. A ameaça mais eficaz e rápida apareceu de um micro-organismo que, para ser visto, precisa ser aumentado 1 milhão de vezes num microscópio eletrônico.

A ameaça das doenças desconhecidas mostrou suas garras na pandemia da Covid-19, cuja capacidade destruidora, que atinge todos os setores, econômicos, sociais, políticos e globais, nunca tinha sido sonhada pela humanidade.

Se as potências mundiais tivessem concentrado seus recursos na busca do controle científico da saúde humana, em vez de empenhá-los na sofisticaçãodas armas, talvez não estivéssemos passando esta crise previsível e anunciada, capaz de revirar o mundo de cabeça para baixo, nos deixando sem saber o que vem do futuro: o caos ou um mundo transformado, mais humano e solidário, de olhos voltados para o próprio homem e não para o domínio de povos sobre povos olhos voltados para o próprio homem e não para o domínio de povos sobre povos.

O homem esqueceu que ele é vulnerável a si próprio e não deve buscar a força e com ela destruir a obra construída pela mais bem-sucedidaespécie de mamífero, em que Deus nos deu a graça da vida, o Homo sapiens, que existe há 350 mil anos, um nada diante da eternidade.

E o Brasil? Em meio a esse transcendental desafio, em vez de inserirse no esforço mundial para enfrentar o Corona, fica mergulhado em lutas estéreis, em confrontos menores, quando devia concentrar todas as suas forças numa união geral, sem qualquer barreira e defender-se do desastre que ameaça a humanidade.

A saga do Ministério da Cultura

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Durante o meu governo, na elaboração do Plano Verão, trouxeram-me o esboço dos cortes que pensavam que devíamos fazer: a primeira coisa que ali estava era a extinção do Ministério da Cultura, por mim criado no dia em que assumi a Presidência da República, 15 de março de 1985. Quando li, minha primeira reação foi uma pergunta indignada: “Os senhores ou querem me ofender ou não conhecem a minha carreira parlamentar. Pois saibam que minha causa parlamentar foi a cultura, fiz dezenas de discursos e apresentei vários projetos de lei defendendo a cultura. O principal deles vai ser um divisor de águas na história da visão da cultura no Brasil, ao estabelecer incentivos fiscais procurando inseri-la na economia de mercado.” Apresentei cinco vezes esse projeto e o reapresentei como meu último ato no Congresso, no meu discurso de despedida. Afinal a lei foi sancionada por mim.

Em seguida vinham os cortes orçamentários e o primeiro deles era no orçamento do Ministério da Cultura. Minha reação foi pior, disse-lhes que não discutiria a proposta que me faziam com qualquer corte contra a Cultura.

Veio o Collor e extinguiu o Ministério, que só voltou a existir com o presidente Itamar Franco. Outra tentativa em cima do Ministério da Cultura foi convencer o meu querido amigo Michel Temer a acabar com ele em 12 de maio de 2016, e, inspirado melhor pela reação, restabelece-lo em 23 de maio, tendo um breve desaparecimento de alguns dias. Mas a perseguição ao Ministério da Cultura continuou. Toda vez que se fala em reforma administrativa o primeiro item é acabá-lo.

Essa obsessão vem da falta de consciência nacional de sua importância. Até hoje não se sabe o que a cultura representa. A verdade é que todos os esforços da sociedade contemporânea estão voltados para gerar valores materiais, não valores espirituais. Mas são esses valores, ao expressar o modo de vida, por meio de arte, literatura, ciência, tradição, crenças, que formam a essência de um povo, de um país. Nenhum país pode ser potência de qualquer natureza, sem ser uma potência cultural.

Mas para a cultura é essencial um clima de liberdade, de criação, um ambiente de reencontro, de redescoberta. O Estado não pode arbitrar que cultura deve ser apoiada. Ela não pode ficar sujeita a que um governo que goste menos de cultura sufoque e deixe ao desamparo a produção cultural, os artistas, os escritores.

Agora a cultura tornou-se um jogo de ping-pong. O atual governo extinguiu o Ministério, transformou-o em Secretaria Especial de Cultura do Ministério da Cidadania, passou-a para o Turismo, mas ela permaneceu na Cidadania e agora retorna ao Turismo. A verdade é que não temos uma política cultural e, em vez de ser uma unanimidade nacional, a sua promoção é tema de discórdia e uma disputa de interesses e até colocado a serviço de ideologias.

Tendo criado o Ministério da Cultura e sido seu defensor ao longo da minha vida, não posso deixar de condenar qualquer agressão a esses ideais. Intelectual, sou de um Estado onde só existem estátuas a escritores. Reverenciamos nossa tradição cultural e temos alguns dos maiores nomes da literatura brasileira.

Por isso temos orgulho de termos sido batizados como Atenas brasileira.

Uma escolha sem sofia

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Estamos diante de uma ameaça sempre temida ao futuro da humanidade: as doenças desconhecidas. Ao longo da história dos seres vivos que habitaram o nosso planeta, milhões de espécies já desapareceram. Para citar o episódio mais fascinante, citemos os dinossauros, que em teoria foi provocada por um meteoro gigante que caiu no Golfo do México, transformando a atmosfera, devastando todo o planeta e levando de roldão quase toda a vida, extinguindo muitas espécies, inclusive as mais bem-sucedidas entre elas, as dos gigantessauros. Mas nada nos diz que não tenha sido uma doença dessas.

O gênero “homo” foi o mais bem-sucedido entre os mamíferos, embora seja recente, três milhões de anos, o que é nada no tempo cósmico.

Já venceu várias pandemias, resistindo a todos e, há setenta mil anos, se tornou sapiens sapiens esse a quem Deus escolheu dando-lhe consciência e fala. E ainda lhe deu capacidade de dominar o saber das coisas, defender-se delas e, através da ciência, poder salvar-nos.

Estamos diante de um desafio inédito. O coronavírus não tem remédio, não tem vacina e pegou a humanidade de surpresa. É um vírus que se transmite numa velocidade que nenhum outro, de pessoa a pessoa, quase nada sabemos sobre ele e somente agora todo o saber científico do mundo se mobiliza para cercá-lo e encontrar um meio de enfrentá-lo.

Nenhum país do mundo estava preparado para esse desafio, os hospitais jamais pensaram necessitar dos equipamentos que demanda na quantidade de infectados. Só temos uma maneira de tentar evitá-lo: o confinamento. Esse procedimento gera muitas consequências de natureza social, econômica e pessoal. Não podemos avaliar suas consequências e amplitude.

Pelo lado humano estamos todos submetidos a um stress muito grande. Testemunhamos as tragédias pessoais das vítimas – pais, esposos, filhos, avós – e participamos de sua emoção com nossas lágrimas.

Dentre essas tragédias que todos vivemos a mais heróica é a dos que estão nas linhas de frentes, como médicos, enfermeiros e todos que trabalham para salvar vidas e aliviar o sofrimento dos doentes.

A parte psicológica é a mais atingida. Li hoje a história de renomado anestesista, dr. Alexandre Teruya. Acostumado ao risco da intubação dos pacientes, ele confessa que teve medo quando teve que colocar a sonda na traqueia do primeiro paciente com a Covid-19. Tendo passado aos filhos a necessidade do ritual de descontaminação, a volta para casa não era mais o alívio, mas a exacerbação do risco. A solução foi se mudar para o hospital.

A escolha de Sofia, expressão que retrata a necessidade de escolher uma de alternativas insuportáveis – no romance original, escolher um dos filhos para salvar ou ter os dois mortos pelos nazistas – tornou-se já um desafio real para os profissionais da saúde. Por isso devemos a eles nossa gratidão e nosso apoio.

O terrível dessa virose é que a única coisa que podemos fazer é ficar em casa.

A briga das canetas

por Jorge Aragão

Por José Sarney

O poder e a caneta têm uma relação íntima, às vezes libertina. Mas ultimamente ela tem sido explícita.

A primeira vez que ouvi uma definição precisa sobre essa relação foi, nos longínquos anos de 1968, de Plácido Castelo, ele governador do Ceará, eu do Maranhão. Disse-me, mostrando uma caneta: “Sarney, nós, governadores, com esta bichinha poderosa, podemos fazer a felicidade e a infelicidade, nomear, demitir e ameaçar. Mas ela tem um defeito. Quanto acaba a tinta, não serve para mais nada.” A tinta acabava com a eleição do sucessor.

A caneta e a tinta fizeram estórias da História. Prudente de Moraes foi eleito contra a vontade de Floriano Peixoto. O marechal resolveu não lhe passar a faixa. Prudente tomou posse no Congresso e foi para o Itamaraty, sede do Executivo. Estava inteiramente vazio. O Presidente mandou comprar papel, caneta e tinta para nomear o Ministro da Justiça, Antônio Gonçalves Ferreira, e fazer os atos iniciais. Eu fui mais feliz, porque o Figueiredo apenas não quis me passar a faixa.

O nosso presidente atual, que tem sangue quente, quando demitiu o Ministro Mandetta, advertiu: “Deu algo nos integrantes do governo, mas a sua hora vai chegar.” E chegou na cabeça do Moro. Quando quiseram fazer uma intriga entre o parlamento e o Chefe do Executivo, este avaliou o poder da caneta e disse ao Presidente Maia: “Com a minha caneta eu tenho mais poder que você.”

Mas o Supremo entrou no jogo das canetas e disse que tinha onze canetas em vez de uma — haja canetada.

Certa vez o Senado ouvia o Ministro da Fazenda do Governo Fernando Henrique e o Senador Mercadante foi interpelá-lo. Antes disse ao Ministro: “Tome nota da minha pergunta com sua caneta Mont Blanc.” Malan respondeu: “Senador, vou anotar com a minha caneta Bic.” — e mostrou sua esferográfica popular. Foi uma risada geral.

É que as canetas também têm status. No meu tempo era a Parker, com um tinteiro de borracha embutido, colocada no bolso externo do paletó, para mostrar que se era uma pessoa de poder.

Agora é a popular caneta esferográfica azul, que abalou a internet nestes meses foi na música Caneta Azul, que tornou célebre Manuel Gomes meu conterrâneo de Balsas célebre Manuel Gomes, meu conterrâneo de Balsas.

Assim, temos um tempo de brigas de caneta. Mas a caneta do Brasil foi outorgada pela Constituição para expressar o governo democrático, tão bem definido por Lincoln “como do povo, pelo povo, para o povo”, o poder civil, síntese de todos os poderes, como bem define a doutrina da Escola Superior de Guerra.

A Presidência tem que ser exercida com grandeza, humildade, prudência e inabalável sentimento moral. Bic ou Mont Blanc, Parker ou qualquer outra, a única marca que engrandece, por assegurar direitos humanos, bem-estar social, harmonia e independência entre os poderes é a marca Democrática.

Já tinha escrito esse artigo quando me lembrei do dia 1º de Maio. Quero me dirigir ao nosso trabalhador, e dizer que, para homenageá-lo, em sua data, ontem, fundamos Tribuzzi e eu o jornal O Estado do Maranhão, que completou 61 anos, trazendo nosso idealismo para servir as grandes causas do Maranhão. Ele ajudou a mudar a mentalidade do Estado, criando a pauta do desenvolvimento. Seu editorial de apresentação pedia uma universidade, que não tínhamos, estradas, energia, educação.

Tribuzzi, nestes anos todos, é a inspiração do Jornal, e até as casuarinas do Cemitério morreram, porque ele morreu, e seu saber até hoje faz falta ao Maranhão. Que saudade!

90: saudades e esperanças

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Meus olhos se abriram para o mundo às 7,30 horas de uma cinza manhã de abril, de 1930, depois de noite de um parto sofrido — minha mãe primípara, quase uma menina de 18 anos —, numa casa de chão batido, de 55 metros quadrados, na ainda pequena, quase uma vila, Pinheiro, onde tínhamos chegado há trinta dias, terra cercada dos mais belos campos do mundo, de capins verdes e flores amarelas formando um tapete no meio das águas do Pericumã, saídas do seu leito pelo mundão das chuvas do inverno.

Na casa a parteira famosa da terra, a velha negra Mundica de Salu, minha avó Dona, meu avô Adriano, meu pai, e uma menina, Emília, que mais tarde seria minha ama, chamada por mim carinhosamente de Debum.

Deus me deu uma família abençoada, que só me cercou de amor, com os avós que me acalentaram, irmãos, e depois a bondade de permitir constituir o meu ramo, na beleza de uma extraordinária mulher, filhos adoráveis, netos, bisnetos e, para completar minha felicidade, excelentes amigos e parentes.

A felicidade da infância, quando descobrimos o mundo, as pessoas, o apego e o amor da mãe, do pai, dos avós, a mão inocente dos irmãos nas cantigas de roda. Descobrir as cores, o vento, a chuva e pouco a pouco os pássaros que pousavam nos fios do telegrafo a única comunicação com o mundo.

Divido a felicidade desses anos com a minha querida terra de São Bento, onde fui gerado e passei a residir depois dos quatro anos. Ali aprendi a ler e escrever, e encontrei o melhor amigo de minha vida: o livro. Tão grande essa ligação que escrevi sobre tudo.

A política veio depois. Aconteceu. Napoleão dizia que a literatura era uma vocação, a política um destino. As duas me fizeram a vida, junto com o espírito de liderança. Nunca pensei viver 90 anos, num Maranhão que, em 1965, tinha uma expectativa de vida de 29 anos. Tive todos os perigos das doenças que levavam as crianças para o céu — 80% dos que nasciam. Só malária, quatro, além de todas as outras. Fiz a peregrinação pelo interior com meu pai, perseguido e sofrido modesto Promotor Público. Foram Icatu, Caxias, Codó, Coroatá, Balsas. Conheci a luz elétrica aos 12 anos, quando vim fazer o exame de admissão para os Maristas. Morei no pensionato da boníssima Dona Rosilda Penha, na rua de São Pantaleão, na Madre Deus, em frente à Fábrica Santa Amélia, num pequeno quarto alugado, na casa da operária Dona Sérgia, de Dona Guidinha, dos irmãos Cândido e Pedro Costa, gente generosa e boa.

Fui contínuo da Polícia Civil, trabalhei no Tribunal de Contas e no Tribunal de Justiça. Tornei-me jornalista profissional ganhando um concurso de reportagem de O Imparcial, onde comecei minha carreira política e literária.

A santidade de minha mãe foi uma ligação que marcou minha vida e até hoje me marca como uma saudade que não passa. Com ela converso e me aconselho todos os dias. Santa Dona Kiola.

Agradeço também a Deus fazer de mim um homem simples — o poder não me modificou em nada —, sem seduções materiais. Dar-me a absoluta impossibilidade de ter ódio, ter fé e atender o único pedido que Ele me fez: perdoar os inimigos. E eu perdoei a todos, eu que uma vez ouvi do Presidente Castelo Branco: “Dr. Sarney, o Senhor é muito bem servido de inimigos.”

Nunca passei por cima de ninguém. Ouvi na minha velhice, já fora do poder, no aeroporto de São Paulo, o elogio que mais me confortou, de um homem dizendo para sua mulher: “O Sarney é um homem bom.”

Deus me deu 90 anos de vida, tantos cargos, fez de mim o político mais longevo da nossa História, 64 anos, receber as maiores condecorações, no grau mais alto, como a Légion d’Honneur e o Grande Colar do Mérito Nacional, me fez membro, hoje decano, da Academia Brasileira de Letras. Escrevi 122 livros, com 173 edições, alguns deles traduzidos em doze línguas. Ele me deu até a graça de uma pequena vaidade. Vaidade de sair de tão longe, das casinhas de Pinheiro e São Bento, e percorrer esse caminho. Graças ao povo do Maranhão, minha paixão, e ao generoso povo do Amapá pela confiança com que sempre me amaram e me elegeram, e que passei amar com todo carinho.

90 Anos! Não tenho saudades da infância, juventude, maturidade. Sinto, como dizia o Padre Vieira, saudades do futuro.

José Sarney agradece o carinho do Maranhão nos seus 90 anos

por Jorge Aragão

Nesta sexta-feira (24), o aniversariante do dia, o ex-presidente da República, José Sarney, foi entrevistado pelo titular do Blog, durante o programa Ponto Final, na Rádio Mirante AM. (Clique aqui para ouvir na íntegra).

Antes de falar sobre os seus 90 anos, Sarney fez questão de lamentar o falecimento do jornalista Roberto Fernandes e assegurar que a primeira coisa que irá fazer quando retornar a São Luís, está em Brasília, será visitar o túmulo do jornalista.

“Eu quero fazer a minha primeira manifestação, dizer o quanto eu lamentei, o quanto eu senti, o quanto o Maranhão perdeu, o quanto o jornalismo maranhense perdeu com a morte do Roberto Fernandes. Eu quero dizer que quando voltar a São Luís, uma das primeiras coisas que eu farei é visitar o seu túmulo. Meus pêsames a toda classe do jornalismo maranhense, da mídia impressa e da mídia eletrônica”, disse.

O ex-presidente da República também lamentou o atual momento vivido pelo Mundo, por conta da pandemia, mas acredita que através de Deus e da ciência será encontrado um caminho para acabar com a Covid-19.

“Eu lamento o momento que nós atravessamos que realmente é um momento muito difícil e que como eu sou um homem de fé, acredito em Deus, acho que nós vamos sair rapidamente dessa situação para comemorar a vida, porque essa pandemia, ela não ameaça a natureza, não ameaça outra coisa se não o bem mais precioso que Deus colocou na face da terra, que é o homem, a nossa vida, e nós devemos nesse momento esperar que Deus pelas mãos dos cientistas, imediatamente, encontre o caminho para sairmos dessa dificuldade e ao mesmo tempo, quero me solidarizar com todos aqueles familiares que perderam seus entes queridos, já levados por essa pandemia”, afirmou.

Por fim, Sarney fez questão, com sua humildade peculiar, de fazer um agradecimento ao povo maranhense pelo eterno carinho sempre demonstrado para com ele durante todo esse período.

“Eu quero agradecer a você e a todos os seus ouvintes, te desejar felicidades também, a todos eles, às suas famílias e que realmente nós ultrapassemos esse momento. E quero, nesses 90 anos, uma vez mais, agradecer ao povo do Maranhão que sempre me cercou de carinho, de amizade, de respeito, de consideração e me deu muitas oportunidades na vida, oportunidades essas, que eu procurei transformar em ajuda ao povo maranhense, ao povo brasileiro. Muito obrigado a você e a todos os seus ouvintes”, finalizou.

Primeira idade

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Norberto Bobbio, o grande cientista político italiano, já perto de completar cem anos, perguntado sobre a velhice, respondeu: “A velhice é muito boa, só tem um defeito, dura muito pouco.”

Agora, muita gente me tem feito a mesma pergunta. Eu digo que não sei, porque não sou velho; sou às vezes um adolescente, outras vezes um adulto curioso. Continuo estudando muito, escrevendo, lendo e trabalhando.

Magalhães Pinto me dizia que “velho é quem tem um ano mais do que eu”. Quase o que repetia o meu avô Assuéro, pai de minha mãe Kyola: quando o chamavam de velho ele prontamente respondia que “velhas são as estradas”.

Já o grande Picasso, ao chegar aos noventa anos, foi rápido no gatilho: “Estou com saudade dos meus oitenta anos.”

Eu tenho uma ojeriza a certos termos que passaram a usar para a velhice: terceira idade, melhor idade e outras mais. Eu tenho horror a essas expressões. Melhor chamar velho, ancião, velhote. Quando eu era menino me chamavam de Zequinha, agora só algumas primas da minha idade ainda me chamam assim. Tenho um primo, filho da minha tia Martinhana, Isaac Lobato, que mora em Santa Catarina, para onde foi logo depois de formado em medicina e onde fez grande nome, hoje um dos mais respeitados médicos daquele estado. É um pouco mais velho do que eu — uns três anos. Sempre falamos ao telefone. Ele vai logo dizendo “Como vai, Zequinha?”, e eu respondo “Vou bem, Isaquinho”, como o tratava em nossa juventude. Não é nada artificial, é apenas um tratamento terno, desses que na vida a gente não esquece nunca.

O velho Alexandre Raposo, vizinho do meu outro avô, José Adriano da Costa, pai do meu pai, era um tipo sanguíneo e pegava corda com tudo. Disse a meu avô que, quando um vaqueiro seu o chamou de velho: “Velho?!” — respondeu — “Vá lá em casa à noite que eu mostro a velhice”. Meu avô contou a história e comentou: “Velho debochado e mentiroso.”

Manuel Bandeira, o grande poeta, colocado na minha lista dos maiores, foi meu amigo — com ele sempre estava na casa de Odylo Costa, filho, outro grande poeta e meu eterno amigo. Bandeira era solteirão, mas, até o fim da vida, louvador do sexo feminino. Ainda moço, mas sempre com o sentimento de fragilidade diante da vida com que a tuberculose o marcara, escreveu: “Que mais queres / Além de versos e mulheres?… / — Vinhos!… o vinho que é o meu fraco!… / Évoé Baco.”

Todos os dias agradeço a Deus a graça da vida que me deu, através de meu pai e de minha mãe. Pôs a mão na minha cabeça e fez tudo por mim. Estou chegando aos noventa. Escrevi 122 livros, em 172 edições, com alguns traduzidos em doze línguas. Deus me fez Presidente da República, Governador do Maranhão e deu-me a felicidade de trabalhar pelo povo brasileiro, pelo Maranhão, pelo Brasil.

Fez-me membro da Academia Brasileira de Letras, hoje o decano, com quarenta anos de eleito. Não tenho ódio de ninguém, nunca cravei, por meu desejo, espinho algum no peito de ninguém. Qual o período em que fui mais feliz? A infância, sinônimo de felicidade.

Deu-me uma família, que constitui com Marly e três filhos — Roseana, Fernando e Sarney Filho — que só me deram alegria e orgulho. Quem me ajudou? Deus. A ele, meu Pai Eterno, graças pela graça da vida, aleluia. Estou na Primeira Idade

“Nunca vivi um momento desse”, diz Sarney, prestes a completar 90 anos

por Jorge Aragão

Próximo de completar 90 anos, dia 24 de abril, o ex-presidente da República, José Sarney, fez questão de gravar um vídeo para comentar sobre o atual momento que o Maranhão, Brasil e o Mundo estão vivendo devido a pandemia do novo coronavírus.

Sarney afirma que nunca viveu um momento desse ao longo dos seus 90 anos, pediu a proteção divina para todos e reforçou a recomendação da Organização Mundial da Saúde, para que as pessoas fiquem em casa.

Apesar de estar tudo programado para as celebrações dos 90 anos de José Sarney, tudo acabou cancelado por conta da pandemia.

Estavam previstos, uma sessão solene no Congresso Nacional, uma missa na Catedral de Brasilia e homenagem também no Conselho Nacional de Justiça, tudo isso na capital federal.

No Maranhão, teríamos uma sessão solene na Assembleia Legislativa, com a presença de ex-presidentes da República, missas e uma grande festa na sua residência no Calhau.

Agora é aguardar para celebrar a festa de 91 anos, já que as celebrações de 90 anos, infelizmente, foram canceladas pela pandemia.