2020 e Alcântara

por Jorge Aragão

Por José Sarney

O Ano Novo pode marcar uma data histórica para o futuro e o progresso do Maranhão. É que acaba de ser aprovada a autorização para que a Base de Alcântara possa abrir-se ao mercado internacional de lançamento de foguetes portadores de satélites.

Isso significa que o Maranhão poderá participar de uma indústria de ponta, que tem um poder germinativo capaz de criar indústrias paralelas, formação de recursos humanos e ser um pólo de referência mundial, competindo com Kourou, na Guiana Francesa, onde os franceses têm, desde 1968, uma de suas fontes de renda e de participação na exploração espacial. Os dois lugares têm uma vantagem importante: sua posição quase na linha do Equador é extremamente vantajosa no lançamento de satélites geoestacionários.

Foi ainda De Gaulle quem criou o CNES, Centro Nacional de Estudos Espaciais, proprietário da base, que a administra em conjunto com Arianespace e com a ESA, Agência Espacial Europeia. Arianespace é a maior empresa de transporte espacial do mundo, e explora lançamentos de satélites de Kourou com os foguetes Ariane e Vega, e, em acordo com a ESA e a agência russa Roscosmos, com os foguetes Soyouz. Mas a concorrência é forte, com empresas russas, americanas, chinesas, japonesas e indianas.

A indústria de comunicação, que tem como carro chefe os satélites que cobrem a Terra em várias altitudes, gerando possibilidades de transmissões que vão desde sensoriamento remoto até o fornecimento de um número incalculável de dados, é a que mais cresce no mundo. Além dos benefícios que presta à humanidade é uma fonte de ganhos e alavancagem para o crescimento econômico.

Alcântara, há mais de 40 anos, por motivos ideológicos e radicalismos, é vítima de uma campanha de um nacionalismo primário que nada tem a ver com a realidade. Eu, quando presidente da República, lutei bravamente para romper esses obstáculos. Construí a infraestrutura necessária ao seu funcionamento — a última cerimônia do meu governo foi o lançamento de um satélite meteorológico em Alcântara —, construí em S. José dos Campos o laboratório de construção de satélites e apoiei as pesquisas para que tivéssemos o nosso próprio veículo lançador, o que por infelicidade explodiu tragicamente.

A resistência sustentava que tínhamos que examinar e espionar o equipamento das firmas que quisessem utilizar a Alcântara, como se alguém permitisse isso.

A Câmara e Senado, tendo à frente o Senador Roberto Rocha, aprovaram o decreto legislativo autorizando o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, que, promulgado a 20 de novembro, entrou em vigor no dia 16. Infelizmente alguns representantes do Maranhão, poucos é verdade, ainda se aliam a esses obstaculizadores do nosso desenvolvimento.

Ao que tudo indica, vamos finalmente ver os novos portos do outro lado da Baía de S. Marcos, com estradas ligando essa área à Norte-Sul e o Maranhão sendo uma referência mundial de ciência e tecnologia.

E quem sabe se traremos também um ITA, um Instituto de Tecnologia da Aeronáutica para cá? O exemplo do Cabo Canaveral, que levou a NASA a fazer o Kennedy Space Center e centenas de estruturas na área, deve nos servir de inspiração.

São Luís em Dezembro

por Jorge Aragão

Por José Sarney

O sinos do Natal já podem ser ouvidos nos seus sons distantes.

Quando eu era menino e começava, em São Bento, a descobrir o mundo com suas belezas, a primeira coisa que me encantava era o campo verde, lindo tapete de capins: andrequicé, arroz brabo, canarana, capim de marreca. Depois eram os passarinhos que via pousados no fio de telégrafo que atravessava o campo e perdia-se no infinito.

As garças elegantes e brancas olhavam desconfiadas para os lados, sempre atentas a qualquer peixinho que passava nas águas rasas e não escapava de seus bicos. As plantas aquáticas, o mururu, o água-pé, o algodão bravo soltando suas plumas ao vento e os lagos com suas águas de espelho só perturbadas pelas canoas de varas e de remos.

Depois descobri as cores e guardei para sempre na memória os sinos da igreja, tristes no toque de anunciar os que morriam e alegres ao comemorar as festas e aleluias.

A palavra felicidade, disse, está associada à infância. Que encantamento o carinho de nossos pais, a descoberta das cores e o milagre dos arco-íris.

E aí surge o Natal, surge a missa do galo, a espera de Papai Noel, que era pobre como nós e trazia cavalos de vassoura e latas velhas pintadas para improvisados tambores.

Depois começo a conhecer a vida. Vim para São Luís e me apaixonei pela cidade, pelos bondes, pelas ruas, pelos sobrados, que não existiam no interior.

O Natal já era diferente. Tinha bandeirinhas nas ruas e lindos presépios nas igrejas. Os sinos eram de sons fortes, carrilhões que nos sugeriam as alegrias do nascimento do Menino Jesus.

O Natal de hoje vem chegando. É um Natal de Jesus dos comerciantes, vestido de rico, com luzes feéricas em todas as praças e ruas, com festas de amigo invisível, e presentes e mais presentes e as ceias com os perus de granja, sem o gosto dos da minha infância nem a farofa do peito disputada com meus irmãos.

E um mundo em que só se fala em protestos, agitações, greves, assaltos, violência contra as mulheres e em que, mais que a vinda do Redentor, conta a Black Friday com ofertas mirabolantes que despertam fantasias, criam sonhos e geram frustrações.

Mas não quero ser saudosista. Vamos agradecer a Deus a graça da vida, viver Dezembro, com luzes, enfeites e festas, esquecendo o que passa e acreditando que vamos sempre melhorar com o milagre do Nascimento de Deus, ressurreição da esperança.

Jesus Cristinho, como canta o Boi Barrica, será sempre, na palavra de Fernando Pessoa, o menino que “vive na minha aldeia comigo”. De São Bento, de Pinheiro, de São Luís — do Largo do Carmo, do Portinho, da Praia Grande, do Calhau, de Ribamar, do Panaquatira e de Curupu.

Eu, os negros e a Fundação Palmares

por Jorge Aragão

Por José Sarney

O Brasil nasceu quase junto com sua maior injustiça: a escravidão negra. Por ela, as pessoas eram coisas. No Maranhão ela assumiu ares oficiais: a Companhia de Comércio do Maranhão e Grão-Pará tinha monopólio estatal da venda de escravos.

Na época da Independência José Bonifácio pretendia combinar o fim da escravidão com a reforma agrária. E dizia que o Brasil precisava da “expiação de nossos crimes e pecados velhos”.

Dividi com meu amigo Afonso Arinos, autor da lei que leva o seu nome, de considerar crime a discriminação racial, a defesa da causa que herdamos deste nosso passado, de redenção dos mais pobres, de seus direitos individuais e sociais, terra, como queria o Patriarca, a educação, como pretendia Nabuco.

Como parlamentar e nos cargos executivos que exerci, governador e presidente, sempre saí na frente em sua defesa. Nas Nações Unidas, em 1961, como delegado do Brasil na Comissão de Política Especial, fiz um discurso em nome do Brasil, talvez o primeiro, condenando o apartheid, o regime da África do Sul que segregava negros e brancos. Presidente da República, cortei relações com o país e proibi o Brasil de participar dos eventos esportivos ali realizados.

Em 1988, era o centenário da Lei Áurea. Não quis fazer nenhuma solenidade de comemoração porque sempre tinha, ao longo dos anos, afirmado ser a escravidão a maior mancha de nossa História.

A condenação da discriminação racial no Brasil tinha sido politizada e segregada em retórica, sem nenhuma medida concreta para objetivamente extinguir essa vergonha de serem os pretos no Brasil os mais pobres dos mais pobres, as maiores vítimas dos assassinatos, os últimos a ter emprego, os que têm menor acesso à educação.

Estudioso da História, eu sabia que os Estados Unidos, onde o problema era mais agudo do que no Brasil, só tinham avançado em sua solução quando criaram instrumentos fortes de integração, de maneira a que os negros pudessem participar das decisões.

Assim, aproveitei a data dos cem anos da abolição para fazer o primeiro ato efetivo a favor dos afrodescendentes: criei a Fundação Palmares e procurei dar instrumentos para que ela cumprisse seus objetivos Fundação Palmares e procurei dar instrumentos para que ela cumprisse seus objetivos.

Na década seguinte, fui pioneiro ao propor uma lei de cotas para os negros nas faculdades, no emprego e no financiamento público, que só há alguns anos começaram a ser implementadas. Houve uma nova maneira de encarar o problema da discriminação racial, e começamos a colher o resultado das cotas.

Esta minha visão está expressa no fato de que criei uma das grandes personagens negras de nossa literatura, Saraminda, ao lado de Tereza Batista, do Jorge Amado.

Portanto, é com revolta, com profunda indignação que vejo se tentar deturpar os objetivos da Fundação Palmares, ignorando suas origens e seus objetivos. Em vez de fortificá-la, usá-la para estigmatizar os negros, falando mesmo, numa linguagem chula, de mandá-los para o Congo.

A maior parte dos que formaram o Brasil foram africanos. Sua contribuição está no mundo material e no nosso universo imaginário. O forte sangue negro permanece no nosso DNA, na nossa cultura, na nossa determinação. Mas nem todos partilhamos de seu sofrimento, que não se acaba, como se constata na agressão revoltante que presenciamos.

Uma hipoteca da Guerra Fria

por Jorge Aragão

Por José Sarney

O século XX foi caracterizado como o mais violento da história do Mundo Ocidental.Tivemos duas guerras mundiais, com milhões de mortos. Pensou-se que, depois da última, o mundo iria viver em paz e harmonia; mas surgiu uma nova espécie de guerra, que foi a Guerra Fria, da confrontação e da ameaça da arma nuclear. Houve o enfrentamento de duas ideologias: a comunista e a capitalista.

Na esteira da descolonização e da maior onda de democratização que já vivemos, a queda do Muro de Berlim acabou a Guerra Fria.

Mas na América ficamos com uma herança, que foi Cuba, onde continuou o embargo dos EUA — que já no meu mandato o Brasil rompeu. A Revolução Cubana procurava se exportar para toda a América Latina. Isto correspondeu ao período das ditaduras militares estimuladas e reconhecidas pelos EUA, das agitações populares e da implantação de um anarco populismo. Procurava-se destruir a autoestima nacional, estimular a luta das minorias e promover a guerra de guerrilha, coisas que foram perdendo força à proporção que o mundo se ia transformando.

O que ficou nos dias de hoje foi o fortalecimento do proletariado e a tomada de consciência da prioridade dos direitos humanos, cujas violações tornaram-se intoleráveis e impossíveis de aceitar, e uma sociedade cada vez mais inconformada com a desigualdade.

No mundo de hoje acabou-se a polarização entre duas potências — Rússia e EUA —, para uma multipolarização, com destaque maior para a China, potência científica e militar que caminha para ser a primeira economia do mundo.

Assim, esta turbulência que vive a América Latina é uma distante hipoteca da Guerra Fria, misturada a rebeliões populares do longínquo século XIX. É um fenômeno das democracias pobres, não amadurecidas e consolidadas do mundo ocidental. É o caso da Venezuela, da Nicarágua, do Peru, do Equador. Na Argentina sobrevive e ao mesmo tempo agoniza o peronismo, cuja ideologia não se sabe bem o que é, mas resiste ao tempo. O problema da Bolívia é inteiramente diferente.

Na Bolívia houve a presença de um fenômeno pessoal: Evo Morales. Ele fez um brilhante governo. Pela primeira vez o país teve um longo período de estabilidade, crescimento econômico e paz social. O Presidente Morales julgou que isso lhe assegurava perpetuar-se no poder e avaliou mal o sentimento popular. A rotatividade no poder é a base da estabilidade democrática. Ele convocou um plebiscito para ver se o povo concordava em dar-lhe um quarto mandato e o povo respondeu não. Ditatorialmente, dominando a Justiça, obteve da Corte Suprema desconhecer o veredito popular e forçou uma nova eleição, comprovadamente fraudulenta. Deu no que deu.

A Bolívia é país sofrido, instável, com uma história de expoliação de seu território, tendo sua saída para o mar cortada e passado por mais de 150 golpes militares.

Vamos esperar que volte ao caminho que vinha seguindo: democracia e crescimento. Ela merece.

Em defesa do Mercosul

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Estou acompanhando com grande apreensão o debate sobre o Mercosul, com algumas vozes defendendo a sua extinção. Não quero abordar o assunto sob o ângulo econômico, mas devo fazê-lo sob o geopolítico.

Quando assumi o governo, com o desinteresse dos políticos pela política externa, tive margem para buscar concretizar algumas ideias que, como voz isolada, defendera nos meus trinta anos de Parlamento, com o meu conhecimento da História da América Latina, sobretudo do Cone Sul. E uma das coisas que eu não entendia era a rivalidade histórica entre o Brasil e a Argentina.

Pedi a Olavo Setúbal, meu ministro das Relações Exteriores, que fosse a Buenos Aires e apresentasse o desejo de um novo relacionamento, que acabasse com as nossas divergências, baseadas na teoria completamente errada de que quem dominasse o Prata dominaria a América do Sul. Isso era uma ideia velha, do tempo do Prestes João e das minas de prata do Potosí, na Bolívia.

Ficávamos presos nesse equívoco, mantendo a maioria de nossas tropas de defesa na fronteira sul, com hipóteses de guerra pregadas nas escolas militares dos dois países, enquanto, no norte, as guerrilhas convulsionavam o Peru, o Suriname, a Venezuela, a Colômbia. Assim, precisávamos voltar os nossos olhos para o norte, já invadido por guerrilheiros das FARCs em São Gabriel da Cachoeira, expulsos numa operação relâmpago e competente das nossas Forças Armadas.

Propus ao Presidente da Argentina, Alfonsín, uma reunião logo, realizada em agosto de 1985, e, nela, as bases do que seriam as nossas novas relações. Alfonsín estabeleceu comigo uma grande empatia, comungando das mesmas ideias de acabarmos as divergências históricas.

O primeiro grande problema era o nuclear, com os dois países lutando para ter a bomba atômica. Acabamos logo com a competição, inclusive com a visita de Alfonsín a Itaipu, que, naquele tempo, era considerava pelos argentinos uma bomba de água. Resultou disso o Tratado de Buenos Aires, depois recebido com o nome de Mercosul.

Nosso objetivo era fazer da América Latina, a partir do fim da divergência entre o Brasil e a Argentina, um mercado comum igual ao europeu — a União Europeia viria no futuro —, que começou com o Tratado do Aço entre a França e a Alemanha.

A ideia do Mercosul, de integração, considerada por Sanguinetti como o passo mais importante de nossa história, prevaleceu, e não podemos deixar de reconhecer que criou um comércio poderoso entre nossos países. Resultou disso o fato de sermos o único continente no mundo livre de armas nucleares, o que considero um serviço que eu e Alfonsín prestamos à humanidade.

Mexer agora com o Mercosul, mesmo com os erros que o enfraqueceram ao longo do tempo, é ressuscitar a antiga estrutura de conflito no Cone Sul e esperar pelas consequências geopolíticas que daí virão, sem dúvida.

Esta é uma advertência que me vem à cabeça, e não tenho dúvidas de que é preciso manejar com cuidado esse assunto, que não é econômico, mas pode ter um impacto da maior profundidade em nosso futuro.

“Agora somos todos Sarney”, diz Hélio Soares na tribuna da AL

por Jorge Aragão

A Assembleia Legislativa do Maranhão, de maneira unânime, aprovou uma homenagem justa ao único maranhense que chegou a Presidência da República, José Sarney (MDB).

A homenagem foi proposta pelo deputado Roberto Costa, mas nenhum parlamentar contestou e muitos devem participar da Sessão Solene deverá acontecer em abril de 2020, quando Sarney irá completar 90 anos.

No entanto, o que chamou a atenção foi uma frase dita pelo deputado Hélio Soares (PL), na tribuna da AL, sobre a aprovação da homenagem a José Sarney.

O deputado que é base do Governo Flávio Dino, antecipou que a homenagem seria aprovada por unanimidade, afinal “todos, agora somos Sarney”, disse Hélio Soares, se referindo ao fato do governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), ter procurado o ex-presidente Sarney para uma conversa sobre o Brasil.

“Parabenizar o deputado Roberto Costa, quando faz o Requerimento concedendo a medalha ao presidente Sarney. E, aliás, para o presidente é só uma questão de homenageá-lo, porque ele tem todas as comendas de um estadista, o maior político do mundo, pode-se dizer assim. Eu peço, nesse momento, deputado Roberto Costa para assinar também, pois é uma homenagem justa. Aliás, agora, todo mundo já é Sarney. Está todo mundo junto, então facilita as coisas. Então parabéns a esta Casa, que vai aprovar por unanimidade”, afirmou Hélio Soares, sem ser contestado por ninguém.

Agora, imaginemos se essa homenagem fosse proposta em 2015, quando Flávio Dino assumiu o Governo do Maranhão, não só sendo adversário político de Sarney, mas como inimigo, afinal por diversas vezes os ataques saíram do campo político e chegaram, infelizmente, até o campo pessoal.

Mas como dizia o finado ex-governador do Maranhão, João Castelo: “Na política, até boi voa”. Ou seja, nada melhor como um dia após o outro e na política, nada, absolutamente nada, é definitivo.

Amor a Roma

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Fui a Roma para acompanhar as cerimônias de Canonização de Santa Dulce dos Pobres. Enquanto andava pelas ruas da cidade lembrei-me do grande e comovente livro de Afonso Arinos, Amor a Roma. Afonso fez uma dedicatória (“a José Sarney, cuja amizade é uma das alegrias de minha vida”) que refletia uma amizade que vinha de muitos anos e que nascera na casa de Odylo Costa, filho — e se estendia à Annah, sua esposa, a mulher que não só o inspirava, mas que se encarregava de datilografar e preparar os originais.

Afonso deixou uma obra vasta e fundamental, entre literatura jurídica, como duas vezes constituinte e professor de Direito Constitucional das Universidades Estadual e Federal do Rio de Janeiro; como conhecedor profundo da História do Brasil, especialmente do Parlamento e dos grandes homens do Império e da República; como biógrafo do Rodrigues Alves, com Um Estadista da República; e como pensador e mestre de teoria jurídica, política e econômica.

Com essa atividade toda no domínio das letras, ainda teve tempo de dedicar-se à política, sendo um dos maiores oradores do Parlamento, tendo sido, como chanceler, o criador de nossa política externa independente. Quando foi presidente da delegação brasileira à Comissão de Política Especial das Nações Unidas, em 1961, convidou-me para dela participar, e ali tive oportunidade de ter como colega a “Mãe de Israel”, Golda Meir.

O livro era encantador — e minha admiração levou-o a convidar-me para escrever a contracapa da terceira edição — e conseguiu absorver o encanto de Roma, que é uma cidade museu.

O texto de Afonso não me deixava enquanto circulava por aquelas ruas, que são páginas da História da Humanidade, e revia as ruínas dos fóruns, do Coliseu, das Termas de Caracala, do Arco de Constantino; a Piazza Navona, a Piazza de Spagna, a Piazza del Popolo, a Fontana di Trevi, registros da cidade papal; e as igrejas, a começar pela Basílica de São Pedro, por Santa Maria Maior, pelo Gésu, que nos transportam, nos altares talhados, nos órgãos que acompanham o canto gregoriano, na beleza das formas e no silêncio das orações, à presença de Deus.

Andar em Roma é ver grandes figuras do passado: os Gracos, César, Pompeu, Augusto, Cícero e as legiões desfilando depois da conquista e da ocupação de terras, que fizeram dessa cidade o primeiro e maior império do Ocidente; e Virgílio e Ovídio a nos sussurrar os versos decorados na juventude; e Pedro e Paulo, que ali construíram a Igreja; e Michelangelo e Bramante e Vignola e Bernini e Raphael a reinventar a criação.

Entramos no Panteão de Adriano e vemos o túmulo de Raphael, ainda com a cabeça cheia das cores e figuras de suas geniais Stanzas. Nossa vontade é de ajoelharmos, compartilhando do que diz seu epitáfio, o ciúme da natureza. E levantamos a cabeça para sua cúpula monumental, onde se diz que o calor que sobe pelo óculo central — cuja luz dança e destaca ora os altares, ora os relevos — não deixa entrar a chuva.

Meu amor a Roma — duplo anagrama, amor que se mantém de trás para a frente — como no título sempre se renovava: ali a palavra amor tem o sentido do que Góngora dizia em soneto célebre: “O tempo tem carícia para as coisas velhas.”

A matança dos inocentes

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Volto, como testemunha da minha inconformidade, a abordar a violência no Brasil, que é sempre objeto de legislações novas para aliviar um problema que tem sido insolúvel e no qual, infelizmente, não avançamos.

Basta ver o que se passa diariamente, com grande visibilidade no noticiário policial, no Rio Grande do Norte, no Ceará, no Amazonas. Estes são o prato do dia. Atentados que fecham cidades, incêndio de transporte coletivo, assassinato de mulheres e crianças, a barbárie das decapitações – e a constatação de que a Polícia não está preparada tecnicamente para enfrentar a situação.

Nenhuma diferença existe entre o que a televisão documenta das guerras do que se mostra do Rio de Janeiro e de tantas outras cidades do Brasil. É um clima de guerra e de guerrilha. Os números anuais são terríveis: 65 mil homicídios, mais do que em todas as guerras do mundo. Isso nos causa revolta e indignação.

Eu, durante todo o tempo em que fui parlamentar — e não foram dias, mas 52 anos —, nunca deixei de ter esse tema entre minhas preocupações. Apresentei vários projetos, participei de debates e, presidente do Senado, fiz uma comissão mista com a Câmara, que resultou no Estatuto do Desarmamento. A decepção foi o povo brasileiro dizer “Não” no plebiscito, permitindo a venda de armas.

Mas não falo sobre toda a violência. Limito-me ao homicídio. É incrível que, na realidade, no Brasil, quem mata se defenda solto. Isso devia acabar.

Criaram no regime militar uma tal Lei Fleury, nome de um cruel delegado, para beneficiá-lo. E assim o homicídio ficou quase impune.

Um projeto que apresentei no Senado tornando o homicídio crime hediondo foi derrubado na Câmara dos Deputados. Ninguém se sensibiliza com a matança. A banalidade das notícias torna as pessoas insensíveis. A vida é desprezada, as vítimas, abandonadas. Os crimes contra a administração pública parecem mais importantes do que os contra a própria vida.

O exemplo agora vem de quem mais devia combater essa situação: o procurador Janot confessa que ia matar o Ministro Gilmar Mendes em pleno Supremo Tribunal Federal. Quando o clima de paixão passar, o Brasil vai fazer justiça a esse grande juiz, ícone na coragem de lutar pelo cumprimento da Constituição no que diz respeito às liberdades individuais e ao direito de defesa.

Janot, no seu livro, diz que tinha um plano de “Segurança sem violência”. Ficamos estarrecidos quando ele afirmou que abandonou esse plano para obter as luzes da ribalta com os vazamentos das investigações da Lava Jato. E agora, com o exemplo já frutificado de um outro procurador, também de faca na mão, tentando matar uma juíza dentro do próprio Fórum, vê-se o quanto este homem prejudicou o Brasil.

Este não tem o álibi do alcoolismo do procurador Janot, que se agarrava na sua deformação moral e em seu despreparo para o alto cargo que ocupava, mas apenas a desculpa da imitação.

Não é surpresa, portanto, que os assassinatos em massa se multipliquem e deles conste a alta quantidade de morte de mulheres indefesas e crianças inocentes.

É assim que se trata a vida no Brasil, com homens como Janot e o delegado Fleury.

Tempo de maré grande

por Jorge Aragão

Por José Sarney

O fenômeno é geológico e, portanto, acontece antes do tempo da humanidade: a maré sobe e desce mais em função da sizígia, isto é, do alinhamento dos astros, no caso Terra, Sol e Lua e sobretudo dos equinócios, que são os momentos em que o Sol cruza o Equador.

Para proteger os terrenos destas marés grandes, foi preciso que Roseana fizesse o Espigão da Ponta d’Areia. Uma alternativa seria proteger a cidade com diques, à maneira dos holandeses, que vivem muitas vezes abaixo do nível do mar (em 17% do território) e sempre dependentes do manejo cuidadoso das comportas, que permitem o acesso ao Mar do Norte ou aos lagos como o Markermeer, que banha Amsterdam.

Esses holandeses — naturais dos Países Baixos, será que os devíamos chamar baixinhos? —, quando vieram ao Maranhão, já tinham começado, lá, a conquistar o mar, construindo os polders. Estes aterros com diques, que eles não inventaram, mas aperfeiçoaram de tal maneira que ninguém pode pensar neles sem pensar nos neerlandeses — assim são chamados, oficialmente, os holandeses —, constituem mais de metade da superfície terrestre da Holanda. Nos últimos anos, preocupados com as mudanças climáticas, eles têm preparado novas medidas, que vão da elevação dos diques até a mecanismos de controle muitíssimos engenhosos e serviços de monitoramento avançados. Com isso, andar ou navegar por Amsterdam é coisa que se pode fazer sem medo de se molhar com água vinda do mar — quando cai das nuvens não tem jeito, molha como aqui.

Fico pensando se eles não escolheram Recife e São Luís já de olho em diques que poderiam fazer. Mas no caso daqui talvez a razão seja outra, a profundidade dos canais da Baía de São Marcos, equivalente à de Rotterdam. É claro que, naquela época, não se podia nem sonhar com os mega navios que fazem fila para entrar no porto do Itaqui.

Quando fizemos a Barragem do Bacanga, preparamos tudo para fazer o fechamento na maré seca, o contraponto da maré alta, portanto a mais baixa das marés. A subida da maré foi mais rápida que nossos caminhões de pedras, e de repente um pequeno trator começou a ser cercado pelas águas. Como não tínhamos tempo de o salvar sem perder o trabalho, mandei que o deixassem lá, e ele é hoje parte do dique de fechamento

Nossas marés, as maiores do Brasil, estão longe das maiores do mundo, que se aproximam dos 20 metros. A mais famosa não é a maior, mas a do Monte Saint-Michel, segundo ponto turístico da França, onde se diz que ela sobe como um cavalo a galope. Bem, ali São Miguel Arcanjo jogou o Diabo no Inferno, é natural que a natureza se agite. Perto, em Saint Malo, foi feita a grande usina elétrica de La Rance, que utiliza a força das marés.

Não sei é por que a Prefeitura de São Luís colocou mais quatro quadriciclos, em vez de botes, para ajudar a prevenir que algum descuidado, se afogue em terra, pois o risco é de ser pego desprevenido pela chegada da maré de sizígia do equinócio de setembro, que será na segunda-feira.

Bom banho!

Minha São Luís dos franceses

por Jorge Aragão

Por José Sarney

São Luís tem nome de Rei, Rei Santo e povo sem pecados. Pensava-se que os franceses tinham aqui passado três anos. Da chegada (1612) de La Ravardière e seu frades do convento de Saint Honoré até 1614, quando Jerônimo de Albuquerque e Diogo de Campos Moreno.

Quando chegou a Guaxenduba, Albuquerque avisou a seu Capitão de Campo: — “Amanhã terei índios do Maranhão comigo”. E apostou dois pares de meia de seda…

Teve, ganhou a batalha e assinou no documento da rendição, juntando ao seu nome o do nosso Estado: “Jerônimo da Albuquerque Maranhão”. Daí os Albuquerques Maranhão!

Essa era a história da memória e dos arquivos portugueses. Depois os arquivos franceses mostraram que franceses passaram aqui, não 3, mas 8 anos!…

Conta Abeville que os caciques locais levaram de presente para os frades umas indiazinhas, cheirando a flores e águas dos rios da Ilha, onde banhavam-se o dia inteiro. Diferente das mulheres francesas, com dez peças de roupas, sem banho e cheiro de corpo. Os frades recusaram. Os caciques ficaram furiosos e disseram: — Como vocês recusam nossas filhas que lhes oferecemos, se há 40 anos os franceses com elas têm filhos?

Assim, esse amor que nós devotamos aos franceses, numa cidade tão portuguesa, vem do sangue. Essas lindas caboclas, gente do nosso povo, que encontramos de olhos azuis, cabelos loiros, mulatos cambaios guardam dos fundadores, nos genes que os séculos não apagam, a singularidade do nosso Maranhão.

Tenho muito orgulho de possuir uma relíquia única daqueles tempos: os franceses, sem saber que La Ravardiére tinha sido derrotado na Batalha de Guaxenduba, o forte já era português, os franceses expulsos, mandaram reforço para missão dos frades capuchinhos. Chefiava o frade Bourdemére, cujo retrato do século 17 comprei de um colecionador em Paris, depois de descoberto por Napoleão Sabóia.

Cheguei a São Luís aos doze anos. Aqui vivi todos os amores da minha vida. Da cidade, da família, da esposa, dos filhos, dos amigos, dos poetas, do sonho de transformá-la, pela minha mão, riscando avenidas às quais dei os nomes dos conquistadores e venerando todos os seus valores.

A cada 8 de Setembro ouço o ruído das águas das carrancas do Ribeirão. Elas falam da eternidade dos nossos valores, das louças da China, dos marinheiros que aqui passaram, das caravelas de todos os mares, dos nossos irmãos da África, de Angola, da Mina dos nagôs, dos cabindas, dos mandingas e de todos os santos.

Cidade sem pecado, da convivência e do amor.