Duas rosas: a Bela e a Fera

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Uma pergunta que passou ao nosso cotidiano é o que vai acontecer com o mundo depois da Covid, que eu considero que não vai passar. Vamos descobrir remédios para o seu tratamento, mas isto vai demorar muitos anos. Temos os exemplos da Aids. A Covid vai passar e não passará. Permanecerá endêmica. E ela chega num momento em que vivemos entre um mundo em transformação e um mundo transformado.

Estamos em plena revolução digital, com um impacto radical sobre as comunicações, que passaram a nos influenciar e transformaram-se em formadoras de opinião. Tudo mudou. Agora, com estes dois impactantes vetores na sociedade, a revolução digital e a Covid – como ameaça à vida -, temos de lidar com outra maneira de pensar. A sociedade está se contorcendo dentro de nós e não sentimos, somos parte do processo.

Vivemos nossas circunstâncias, que são as da realidade. Porém nossa realidade não é realmente a realidade. Nossos sentimentos e reações estão sendo reciclados e já não são os que nos faziam ser quem somos. “O que em mim sente está pensando”, diz o verso de Fernando Pessoa, no desejo de ter a “alegre inconsciência” da ceifeira. Só que hoje sentir e pensar não são mais faculdades do ser individual e sim do ser coletivo de que somos parte.

Nossas antigas almas estão morrendo e não sentimos. O amor deixou de ser amor, como o concebíamos no passado. O mesmo acontece com a amizade, com a noção de convivência, com o ódio e a cólera. Estamos perdendo até a indignação, todos submetidos ao uso de uma droga tecnológica. As próprias drogas fazem parte deste contexto. A diferença é que estas são substâncias químicas. A droga da modernidade, das diversas mídias, nos impõe uma situação mais perigosa que a de não ter a liberdade de não as ingerir, porém a obrigação de consumi-las.

O culto da velocidade dos deslocamentos. Não temos mais a liberdade de andar. As distâncias e o estilo de vida que foi criado nos fizeram dependentes da velocidade, do patinete, da bicicleta, da moto, do carro, do ônibus, do trem, do avião. Tudo isso é incompatível com a Covid e será com o pós-Covid.

Vão incorporar-se ao novo estilo da sociedade essas mudanças. A internet, entre outras coisas, matou a verdade e são tantas as verdades que não sabemos qual é a verdade verdadeira, na consumação literal da frase de Swift: “A mentira voa e a verdade vai capengando atrás dela”. Quem a escolhe são os que comandam a comunicação.

Bauman identificou uma sociedade, a da incerteza, a líquida, com cultura líquida, arte líquida, amor líquido, e há dez anos o filósofo coreano Byung-Chul Han definiu outra: a do cansaço. Eu me arrisco a vislumbrar uma terceira, que é a do momento que estamos vivendo: a do medo e do confronto dos costumes.

A juventude ainda não as sente, resiste e convive com a sublimação dos seus prazeres. A pós-modernidade, que trouxe tantas formas de pensar e viver, vai também perplexa sentir o que nós sentimos: a nossa sociedade acabou.

Era boa e sublime. Que a do futuro também o seja. Vamos rezar para que não seja a Bela e a Fera.

As flores do coração

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Na adolescência encontrei um livro que muito marcou a minha vida e me fez entrar numa fase de dúvidas – muitas dúvidas – filosóficas e religiosas. Sobrevivi a todas e mantive definitivamente os meus ideais cristãos. Esse livro ocupou meu pensamento e permanece até hoje como uma fonte de indagações não respondidas, provocação permanente a incitar o meu raciocínio. Já o título do livro era uma formulação desafiadora: O Sentimento Trágico da Vida. Mais tarde a Igreja o colocou no Index librorum prohibitorum. Seu autor é o grande filósofo espanhol Dom Miguel de Unamuno, que foi reitor da Universidade de Salamanca – pertenço, com orgulho, a um dos seus Conselhos. Ali fiz uma conferência quando do Centenário de Jorge Amado, analisando sua obra e importância na literatura brasileira, e lembrei, para admiração geral, o verso de Júlio Dantas, em A Ceia dos Cardeais, quando colocou na palavra do Cardeal Rufo a expressão do temperamento de fanfarronice ibérico: “Não matei em duelo o Sol, pelas alturas / Só para não deixar Salamanca às escuras!”

Lembrei-me desse livro ao viver uma comoção que não passa com a situação trágica do país, com essa pandemia que ameaça o futuro da humanidade por um vírus, uma partícula submicroscópica, que não chega a ser um organismo, que não é um ser vivo, mas é a porta da morte, que como um dragão apocalíptico se transforma a cada instante em variantes mais transmissíveis e mais letais. Vivemos, assim, com medo desse monstro nos possuir e com uma infindável percepção de perda. Não há quem não compartilhe das lágrimas das famílias dos mais de 270 mil mortos, dos 2.349 homens e mulheres cujas mortes, na quarta-feira, colocaram o Brasil na vergonhosa e podre posição de ser o primeiro país do mundo nesse ranking do terror. Não há flores em nossos corações suficientes para ocupar o pedaço de chão onde essas pessoas repousam por toda a eternidade. Esses números destroem todos nós, presos de uma tristeza que não passa.

Viver é ter um privilégio, uma vitória desde o nada. Cada vez que a relação sexual entre um homem e uma mulher gera um ser humano, somente um entre cerca de 20 milhões de espermatozoides consegue alcançar e fertilizar o óvulo. Já nascemos vencendo uma competição entre 20 milhões de concorrentes. A vida é uma graça de Deus. Temos o dever de zelar por ela, por nós e pelos outros, pelo amor e pela esperança – e contra aquele lema da Falange na Guerra Civil Espanhola: “Viva a morte!” Estamos a vislumbrar uma ameaça ao futuro da humanidade, com o raio de uma doença desconhecida.

Cruel ver tratar-se agora de outras coisas, todas menores diante do desafio que estamos vivendo. Nada existe para discutir neste momento senão a Covid-19 – a vida e a morte, a vida que precisa vencer a morte – e a desgraça de ver nosso país tendo como marca mundial uma coroa de defuntos.

Solidão na solidão

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Uma das indagações mais nebulosas que estão sendo feitas sobre as consequências posteriores da pandemia são os problemas mentais. Do corpo já se sabe quase tudo ou quase nada, mas quanto à cabeça só há especulação sem nenhuma comprovação. É certo que não se pode separar o corpo do espírito, nem este dele, a não ser numa meditação filosófica, como concebeu Descartes, que a alma e o corpo são duas substâncias separadas. Na visão fisiológica ele, corpo, é que determina o estado mental.

Uma constatação pessoal é da diferente vivência que se tem do isolamento – de que não se pode abrir mão -, não só a segregação residencial como também o afastamento entre as pessoas, uma vez que a ciência quantificou em dois metros a distância entre interlocutores, mesmo com a obrigatória máscara, para evitar o risco de contágio.

Estou há um ano recolhido em casa e com uma rígida conduta para receber visitas de amigos – até mesmo de chatos é gostoso.

Habituado a ler e escrever, mergulhei quase todo meu tempo nessa melhor forma de vida que existe. Tive a felicidade de ao nascer ser privilegiado com a dádiva de um grande, maior e íntimo amigo, a quem eu quero bem e por quem tenho grande amor – até táctil, ao folheá-lo -, sua excelência, o livro. Daí me arrepia quando ouço que ele vai desaparecer e a geração do futuro só conhecerá sua forma digital. Eu considero o livro a maior descoberta científica da humanidade. Foi ele que transformou o mundo, a partir do tipo móvel, acabando com as limitações dos copistas. Cai e não quebra, pode ser lido em qualquer lugar – no banheiro, no carro, tomando o cafezinho -, não precisa de energia. E tem todos os programas de computador: por isso segundo Bill Gates foi o livro que fez o computador.

Ele combate a solidão e com ele nunca nos sentíamos sós. Era até uma terapia contra doenças e problemas. Mas sugiro aos psiquiatras examinar uma nova síndrome que está me apavorando: um cansaço da solidão que eu sabia espantar, um espaço para uma solidão na solidão da segregação e do medo, que a cada dia aumenta. Não é a que conhecíamos, que às vezes tinha até seus encantos, mas um tipo de tristeza e transfiguração que ameaça se intrometer na solidão, destruindo-a; mas mantendo-a mais profunda de uma maneira diferente que não sei definir.

Medo da morte? Não, da eternidade, como dizia Unamuno. Quando apareceu a Aids escrevi que essa doença desconhecida era a primeira que associava o amor à morte, ameaçando a fonte da vida. O Corona propõe uma incompatibilidade entre o amado e a amada, o estar junto, o sentir o corpo, o desfrutar da vida, colocando o receio da morte para nos separar do próximo. Foi o Cristo quem nos mostrou o próximo, no episódio do bom samaritano. Qual é a essência desta parábola? É o amor Será que o Corona ao trazer a morte quer afastar o amor?

Isso é o pior, porque o amor é a essência do mundo, do homem e da mulher.

Deus nos retire deste sofrimento em que estamos mergulhados, que passou a ser a oração de cada dia – e estamos no extremo de não suportar.

O Brasil teve esta semana o recorde mundial de 1.840 mortes num dia. Valha-nos, Deus!

Em casa ou na escola???

por Jorge Aragão

O estudante André Yudji Silva Okimoto, 15, (em primeiro plano) que cursa o 1º Ano do Ensino Médio, assiste a uma aula na unidade em que estuda das Escolas IDAAM, em Manaus, Amazonas, Brasil, em 3 de agosto de 2020, usando máscara respiratória e viseira acrílica, ítens recomendados pela Organização mundial de Saúde (OMS) para frear o contágio da Covid-19 e que são obrigatórios no ambiente escolar. As Escolas IDAAM adotaram diversos procedimentos como aulas presenciais intercaladas com atividades pela internet, o distanciamento entre os alunos, a medição de temperatura, a disponibilização de tótens e garrafas de álcool em gel e o uso obrigatório de viseiras acrílicas e máscaras respiratórias. O Amazonas foi o primeiro estado a permitir o retorno às aulas em unidades de ensino particulares, após a pausa ocasionada pela pandemia da Covid-19. Foto: Raphael Alves / VEJA

Por José Sarney

Ninguém sabe o mundo que nos espera depois desta pandemia. Teremos que nos adaptar à convivência com um vírus que fará parte das campanhas periódicas de vacinação e criar novos hábitos e costumes.

Um dos problemas essenciais tem sido tratado com um grau de insegurança em todo o mundo: como manter vivo o ensino. No Brasil, o problema se agrava pela anomia absoluta do Ministério da Educação, pela trágica e crônica carência de recursos para o ensino público – custa-me acreditar que querem desvincular os parcos valores atuais, tão distantes dos sonhados 10% do PNE. A abertura ou o fechamento das escolas depende, no momento, de decisões estaduais ou municipais, feitas improvisadamente, variando ao vento do agravamento ou da ilusória sensação de amenização da pandemia.

A aula presencial é de vital importância na formação dos jovens (felizmente o STF já sepultou a ideia absurda do ensino domiciliar). No entanto, as condições de tamanho das classes, do distanciamento entre cadeiras, do controle de contaminação são incompatíveis com a realidade de grande parte das escolas municipais e mesmo estaduais. O ensino a distância, que vem sendo praticado por muitas escolas particulares como paliativo razoável, inclusive como meio de diminuir o número de alunos por sala, não pode ser cogitado quando a criança não tem acesso aos equipamentos mínimos necessários.

A necessidade de prioridade de professoras e professores na vacinação é evidente. Estão, no entanto, em 17º lugar para o ensino básico e 18º para o ensino superior.

Além do aspecto pedagógico que se escancara a nossos olhos existe o drama que se desenrola em casa diante de (in)decisão do governo sobre a volta à aula presencial: a dúvida entre pais e alunos. O medo dos pais de autorizar os filhos a comparecer à escola, com a ameaça de contrair a doença e trazê-la para dentro de casa, e de negar a autorização, com o risco de prejudicar sua educação. O medo dos filhos de comparecer, quando os pais autorizam, e o desejo de comparecer, quando os pais negam permissão. Surge assim uma tensão em casa que se soma a todos os medos e dramas já provocados pelo confinamento. Confinamento que, sabemos todos muito bem, é a melhor arma contra a pandemia.

É essencial que os responsáveis promovam um debate sério e estabeleçam uma orientação segura para todo o ensino no Brasil, definindo regras básicas para cada segmento e garantindo os recursos necessários – os já votados no pacote emergencial e outros adicionais, se for o caso -, para não prolongar o terrível prejuízo à educação de nossas crianças e nossos jovens.

Menem e as relações carnais

por Jorge Aragão

Argentina’s former president (1989-1999) Carlos Menem gestures, next to her daughter Zulema (back), during a hearing on the trial on embezzlement during his term of office, on March 2, 2015 in Buenos Aires. Menem is being tried along with his then Economy Minister Domingo Cavallo and Environment Minister Maria Julia Alsogaray among others. AFP PHOTO / CIJ RESTRICTED TO EDITORIAL USE MANDATORY CREDIT “AFP PHOTO / CIJ” NO SALES NO ADVERTISING CAMPAIGNS DISTRIBUTED AS A SERVICE TO CLIENTS / AFP PHOTO / CIJ / – –

Por José Sarney

Quando assumi a Presidência da República, tive a grande felicidade de encontrar um companheiro de visão do mundo, Raúl Alfonsín, presidindo a Argentina. Tornou-se um querido amigo, de quem eu e a Argentina sentimos imensa falta. As relações entre nossos países estavam marcadas por preconceitos de ambas as partes, que se estendiam às populações. Éramos vizinhos voltados de costas um para o outro. Com coragem Alfonsín aceitou meu convite para visitar Itaipu, considerada pelos militares argentinos como uma ameaça mortal. A partir daí estruturamos uma aliança que nos deveria conduzir para uma união latino-americana nos moldes da União Europeia.

Participamos do que Perez de Cuella disse ser a maior onda de redemocratização do mundo, incluindo muitos países da América Latina. Internamente, no entanto, tivemos que enfrentar grandes desafios para implementar a transição para a democracia nos dois países.

Lá e cá criou-se a ideia de que a simples assunção do poder civil bastava para resolver todos os problemas. Mas enfrentamos grandes desafios, sobretudo no setor econômico, inteiramente desestruturado e com enormes problemas inflacionários. Não conseguimos solidariedade para resolver os problemas da dívida externa e escapar da tutela do FMI.

Agimos juntos no plano internacional, não nos deixando arrastar para aventuras. Junto com o presidente do Uruguai, Julio Sanguinetti, Alfonsín e eu criamos o Grupo de Apoio a Contadora para não entrarmos para o Grupo de Contadora e ser arrastados para as guerras da América Central, nebulosas e trágicas. Óscar Arias, da Costa Rica, que partilhou de nossa posição, ganhou então o Prêmio Nobel da Paz.

Na Argentina Alfonsín resolveu antecipar a transferência do governo para seu sucessor, o peronista Carlos Menem. Eram os meses finais de meu governo. Menem tinha ciúme mortal de minha relação com Alfonsín e obsessão com os EUA. Queria ser “aliado preferencial” e forjou, por seu chanceler, um dogma: Argentina devia ter “relações carnais” com os Estados Unidos. Ofereceu-se de todas as maneiras, mas não quiseram levá-lo para o leito nupcial.

Sugeriu entrar para a OTAN, ouvindo do espanhol Solana a lembrança da geografia escolar de que seu país não estava no Atlântico Norte. Argumentava que nós também tínhamos nos metido com a Europa, participando das duas guerras mundiais. Ele, então, enviou duas fragatas para a Guerra do Golfo!

A aliança que Alfonsín, Sanguinetti e eu estabelecemos visava, como disse, à integração plena. Mas Carlos Menem tinha sonhos de pertencer ao Primeiro Mundo. No governo teve muitas dificuldades, principalmente de ordem econômica. Soube enfrentá-las e foi um grande líder político, dando uma nova face ao peronismo, que com ele deixou o radicalismo de esquerda para ser um partido que incorpora algumas teses do liberalismo.

Com todas as dificuldades, foi um presidente que, pelo seu estilo, deixou sua marca na História da Argentina.

O Caminho do Futuro

por Jorge Aragão

Por José Sarney

O futuro da Humanidade não será de países grandes ou pequenos, mas daqueles que dominem tecnologia e ciência. Os outros estão condenados à colonização cultural e econômica para ter acesso aos benefícios das descobertas. 

Já faz longos anos, denunciei a fuga de cérebros do Brasil, por falta de suporte mínimo para a pesquisa, e preconizei que fizéssemos um esforço para criar condições para que nossos cientistas aqui tivessem espaço para desenvolver seus trabalhos.  

Presidente da República, criei o Ministério da Ciência e Tecnologia, dando aos nossos cientistas recurso e prestígio. Para se ter uma ideia, o CNPq concedeu mais bolsas em meu governo do que em todos os seus 34 anos anteriores. Com isso tivemos grandes marcos científicos, como o primeiro reator de pesquisas o domínio do enriquecimento do urânio, o primeiro acelerador linear de elétrons, o centro de construção e o primeiro laboratório de testes de satélites, o Laboratório Nacional de Luz Sincronton, o sistema de monitoramento ambiental por satélites, o desenvolvimento de novos materiais, como fibras óticas e cerâmicas de alta resistência, avanços em radar, lasers e tantas outras coisas.  

SBPC e outras instituições me homenagearam pelo que fiz. É por isso, com autoridade e responsabilidade, que me preocupo com a atual situação das pesquisas no Brasil, nesse momento decisivo em que a Humanidade, mais do que nunca, necessita delas. 

Assim, tive grande satisfação com a aprovação da Lei Complementar 177/21, que definiu que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT é um fundo especial de natureza financeira, não podendo, portanto, ser objeto de contingenciamento ou sofrer limitações de qualquer espécie, a não ser a de frustração da arrecadação correspondente, e que os recursos não aplicados não estão sujeitos a anualidades, continuando disponíveis permanentemente para uso. O FNDCT é o principal alimentador da Finep, instituição essencial para o desenvolvimento da pesquisa em nosso País.  

A assessoria presidencial incorreu em equívoco ao sugerir que fosse vetado justamente o dispositivo que impedia o contingenciamento de recursos. O Congresso Nacional, que aprovou a lei com votação expressiva — de 71 Senadores e 385 Deputados —, certamente vai superar esse impasse e reafirmar essa lei em sua integridade. 

Nunca é demais repetir que a ciência trouxe para a Humanidade contribuições que lhe permitiram sobreviver e levantar sua qualidade de vida de uma forma que não se compara ao que os sistemas políticos jamais fizeram ou farão.  

Foram e são, no entanto, os políticos os responsáveis por dar à ciência e à tecnologia as condições de responder aos grandes desafios do conhecimento, de maneira a que avanços fundamentais para a Humanidade possam continuar acontecendo. É o compromisso que o Congresso Nacional tem, neste momento.  

É um apelo ao Presidente: dar prioridade aos cientistas e recursos para suas pesquisas.

Eleições na Câmara

por Jorge Aragão

Por José Sarney

A primeira vez que entrei na Câmara dos Deputados, no Palácio Tiradentes, no Rio de Janeiro, em 1955, ainda como suplente – e sem conhecer a cidade, que tinha visitado poucas vezes -, fiquei deslumbrado, nos meus 25 anos. A Câmara para mim brilhava com seus balcões, com mulheres de chapéu, todo mundo nas tribunas cheias, desejosos de conhecer os grandes homens que tanto enriqueciam não só a política como também a inteligência brasileira. Os jornais publicavam os debates e os discursos mais destacados na íntegra.

Ali vi de perto Milton Campos, Afonso Arinos, Bilac Pinto, Gustavo Capanema, Vieira de Melo, Juarez Távora, Tristão da Cunha, Plínio Salgado, Flores da Cunha, Fernando Ferrari, Lúcio Bittencourt, Mário Palmério, Carlos Lacerda, Aliomar Baleeiro, Adauto Lúcio Cardoso, Josué de Castro, Magalhães Pinto, Mário Martins, Odilon Braga, Luís Viana Filho, José Maria Alkmin, Ranieri Mazzili, Daniel Krieger, Leonel Brizola e tantas celebridades que desapareceram – como nós desapareceremos, porque a glória política vive de instantes e do seu tempo.

Eram os Anos Dourados, o Teatro Municipal com as óperas de companhias europeias; o teatro de revista com as dançarinas de saiotes; a Confeitaria Colombo; a boate Night and Day, no Hotel Serrador; paletó e gravata nos restaurantes chiques; Copacabana, o primeiro sonho de qualquer nordestino – calcule se vissem os biquínis de hoje!

O Rio era fulgurante e feérico. Era a capital cultural do país. Todos os dias celebridades faziam conferências, visitas e mesmo pesquisas. Havia presença constante de intelectuais do mundo inteiro. No Hotel Glória ainda era guardada a memória da passagem de Einstein, que, em papel timbrado da casa, escreveu sobre a Teoria da Luz. Políticos célebres e ídolos nacionais ali moravam – era com emoção que eu visitava Otávio Mangabeira, se não me equivoco, na Suíte 800.

A eleição da Mesa na Câmara e no Senado não tinha as disputas de hoje. Os partidos com as suas lideranças fortes escolhiam os candidatos na base do mérito e do desempenho.

Em 1958 a Ala Moça do PSD, com Pacheco Chaves, Vieira de Melo, Renato Archer, tendo como líder Ulysses Guimarães – brilhante deputado de São Paulo, onde ganhara nome como poeta, na famosa Faculdade do Largo São Francisco -, se impôs.

Agora, quando vejo o que ocorre na atual conjuntura nas duas Casas do Parlamento, percebo como os tempos mudam.

Como eu disse, a glória parlamentar vive de discurso. Churchill é mais citado pelos seus grandes discursos e pelos rápidos e irônicos apartes. Como ao concitar a resistência: “Não tenho nada a oferecer senão sangue, suor e lágrimas.” E Kennedy, pelo seu chamamento: “Não perguntem o que seu país pode fazer por você, perguntem-se o que vocês podem fazer pelo seu país.” Ou a resposta de Churchill a Lady Braddock, que disse: “O senhor está bêbado.” E ele: “E a senhora é muito feia. A diferença é que amanhã eu estarei sóbrio.”

Carlos Lacerda também era um raio e destruía num aparte. Uma deputada do meu tempo no Rio aparteou-o: “O senhor é um purgante.” Ele respondeu: “E a senhora, o efeito!…”

O plenário do Tiradentes quase vai abaixo de tanto riso…

Hoje nem humor existe mais.

Judicialização da política

por Jorge Aragão

Revista Veja
Matéria: Mensalão
Estatua da Justiça do STF
Foto: Cristiano Mariz
Data:10/09/2013
Local:Praça dos Três Poderes – Brasília- DF

Por José Sarney

Todos sabem que sempre fui um crítico da Constituição de 1988, mas reconhecendo que o capítulo dos direitos individuais e os dispositivos que tratam dos direitos sociais são muito bons e expressam uma Constituição moderna e atualizada.

Quando convoquei a Constituinte, disse que devíamos aproveitar a oportunidade para fazer um Carta moderna que servisse de exemplo ao mundo, introduzindo os direitos sociais – já que o peleguismo getuliano tinha prejudicado a visão entre o capital e o trabalho -, buscando um capitalismo moderno. Mas apenas a partir das greves de São Bernardo surgiu no país um sindicalismo livre – implantado durante meu governo com a libertação dos sindicatos da tutela do Ministério do Trabalho.

O represamento dessa modernização é um dos responsáveis pelo populismo anárquico e ideológico com que passamos a viver. A Constituinte de 88 foi uma oportunidade perdida de termos uma Constituição moderna, sem o hibridismo que a atual tem de ser ao mesmo tempo parlamentarista e presidencialista.

A Constituição possibilitou, inclusive, a existência de algumas anomalias, como medidas provisórias e outros dispositivos que hoje tumultuam a política brasileira.

É o caso das ADIs, Ação Direta de Inconstitucionalidade, cuja amplitude de iniciativa levou o que é a mais grave responsabilidade do Supremo Tribunal Federal a transformá-lo em árbitro da política. Por esse e outros caminhos, os partidos passaram a levar à Justiça questões que podiam e deviam ser resolvidas interna corporis. A facilidade de alterar a Constituição viciou o governo a tudo fazer por emendas constitucionais, dando ao Congresso o poder de engessar o Executivo, fazendo a corrupção entrar nas decisões congressuais.

O ministro Nelson Jobim foi quem primeiro detectou o problema e profeticamente avisou: “Judicializaram a política e o passo seguinte vai ser politizar a Justiça”. E o resultado foi o surgimento de decisões judiciais criando insegurança jurídica e a enxurrada de pedidos de impeachment, acuando presidentes e ministros do Supremo Tribunal Federal, o que colocou o país no meio de um redemoinho administrativo.

E a visão de Otávio Mangabeira, que dizia ser a Democracia uma plantinha frágil, agora foi repetida pelo presidente Biden em seu discurso de posse.

Se não cuidarmos dela, vem um Trump e manda invadir o Capitólio

Quando Trump for para Miami

por Jorge Aragão

Por José Sarney

A paisagem mundial ainda está dominada pelas travessuras do Trump, que culminaram num episódio a que ninguém no mundo pensava assistir depois que os ingleses começaram a estruturar o governo democrático, há oitocentos anos, passando pela Carta do Rei João, a Revolução Gloriosa, a consolidação da Independência das Colônias Americanas — com as ideias então estruturadas a partir do rascunho da Declaração de Independência de Thomas Jefferson — e a Convenção de Filadélfia, que dominaram o pensamento político do mundo ocidental a partir das liberdades individuais e econômicas.

Quem poderia imaginar que, depois das lutas pela democracia, iríamos assistir a um Presidente dos Estados Unidos pregando a invasão do Congresso e, para ficarmos mais chocados ainda, veríamos a imagem de forças militares deitadas nos corredores do Capitólio como se ali fosse um acampamento militar?

Em menos de dez dias esperamos que essa pressão que varre o mundo desapareça com a posse de Biden e que se possa criar um clima com menos medo e mais tranquilidade, passando aquele arrepio de vermos a bolsa preta atrás do Trump com o código do arsenal atômico americano. Que agora esteja em mãos mais sensatas, de um homem experiente, que já foi Vice-Presidente, conviveu e aprendeu com um dos maiores estadistas de nosso tempo: Barack Obama, que exerceu o governo com uma visão de mundo baseada na paz, no diálogo: a resolução dos problemas nunca pela força e sempre com negociação, buscando um terreno comum onde os homens vivam o entendimento e a concórdia.

Trump acabou com a utopia da paz e nos barrou a visão de um Oriente Médio sem as mortes e as vinditas diárias onde morrem palestinos e judeus. De um povo com esperança de viver sem as atrocidades que, diariamente, presenciamos, estarrecidos. De um mundo sem dentes cerrados pedindo a ressurreição da babilônica Lei de Talião (ou de retaliação), do “dente por dente e olho por olho”. Da noção de organismos multinacionais como um local de encontro para acabar com divergências, com a crença na força de práticas humanitárias e de combate ao terrorismo, que invade a tranquilidade das relações internacionais.

Que Biden não frustre o otimismo daqueles que torceram por sua vitória, por direitos humanos, com a certeza de que os Estados Unidos possam ser ainda âncora da paz, da igualdade e da fraternidade. Com a esperança de os Estados Unidos voltarem a ser o farol da democracia e de defesa da liberdade.

Quando Trump voltar a jogar golfe nos seus excelentes campos de Miami, estaremos todos aliviados.

Hiroshima e o Capitólio

por Jorge Aragão

Por José Sarney

Hiroshima é uma mancha indelével na História americana. Agora surgiu outra: Trump comandando uma horda de apátridas, acabando com o que os Estados Unidos tinham como sua mais sagrada instituição, o American Dream, o sonho que fascinou a humanidade e os fez conquistar o mundo. O sonho de construir um mundo de liberdade, cujos fundamentos constam da Declaração de Independência, quando os pais fundadores fizeram a sua Tábua da Lei, como a maneira de construir a Democracia: “Consideramos estas verdades como evidentes, que todos os homens são criados iguais, que são dotados pelo Criador de certos Direitos inalienáveis, que entre estes são Vida, Liberdade e busca da Felicidade.”

Louvamos que tenha saído da América o país que encontrou a fórmula das ideias e não da força para constituir governos baseados na liberdade e hoje é o maior país do mundo, político, militar, cultural, econômico, científico e tecnológico. Sou daqueles que acreditam que não foi o poder econômico que o fez líder, mas as ideias de liberdade, dignidade e direitos humanos.

Todos estes direitos criaram o sonho americano, que se expandiu pelo mundo inteiro e, com outras nações, ficou responsável pela paz mundial.

Agora, que vergonha, é seu próprio Presidente quem comanda a destruição da grande bandeira dos Estados Unidos perante o mundo.

A partir de agora que autoridade têm os EUA para pedir respeito aos direitos e à igualdade dos homens? Para ser o guardião da Declaração dos Diretos Humanos, cujas ideias fundamentais foram construídas por eles mesmos, desde o rascunho de Jefferson da Declaração de Independência, passando pelo Bill of Rights e pregando a liberdade, a Democracia, como a grande revolução salvadora mundial?

Que diferença podem invocar de Maduro fazer a representação parlamentar com a violência de leis fruto da chicana e unicamente destinadas à manutenção do poder? Que argumentos têm perante Erdogan e todos os líderes de extrema e radical direita, agora em ascensão, buscando ocupar a liderança de diversas nações? Que autoridade os Estados Unidos podem usar para defesa da democracia contra a força e o anarcopopulismo, diante do exemplo do Trump — pois, se a democracia é o maior e melhor regime, os Estados Unidos o maior exemplo disso, o Capitólio o coração da democracia, constituído pelas leis e pelo povo, como o Trump comanda sua invasão e sua destruição?

As consequências desse fato não se sabe como vão repercutir e influenciar o futuro da humanidade.

Como apagar essa mancha da História americana? Só com a punição do Presidente, pois mostrará que a democracia é tão forte que até o sumo-sacerdote do seu templo, quando viola seus dogmas, é banido da política, como indigno dela.

Trump passou a ser o Bin Laden do American Dream: um destruiu as Torres Gêmeas; o outro, o Capitólio, Catedral da Democracia.