O artigo 3º da Constituição Federal no contexto da Justiça Eleitoral

por Jorge Aragão

Por Anna Graziella Costa e Mariana Costa Heluy

Por unanimidade, o TRE do Mato Grosso cassou mandato da senadora Selma Arruda, em sede de Ação de Investigação Judicial Eleitoral. Os membros da Corte seguiram o entendimento do relator, desembargador Pedro Sakamoto, que apontou prática de caixa 2 e abuso de poder econômico em virtude de gastos eleitorais antes do período permitido.

Com fulcro no que consta dos autos, aproximadamente 70% dos recursos utilizados na campanha da Senadora foram financiados por dinheiro não contabilizado, oriundo de um contrato simulado de empréstimo. Embora passível de recurso, o fato da decisão colegiada ter ocorrido 6 meses após o pleito, parece efetivar concreta resposta aos que se perfilharam, quando do julgamento no STF do Inquérito 4435, à corrente de que não teria a Justiça Eleitoral capacidade técnica para apreciar, com rapidez e competência, ações que seriam, oportunamente, encaminhadas pela Justiça Comum e/ou Federal às respectivas Cortes Eleitorais.

A polêmica é tão manifesta que o Ministro Luiz Fux, ao conceder entrevista ao programa “Em foco”, afirmou que a Justiça Eleitoral “não tem menor condição de apurar esses crimes”. Sobre a temática, já a abordamos em outro artigo3.

Aos questionadores, há sempre uma indagação no ar. A quem pode interessar uma crise institucional? A derrocada dos Poderes constituídos? Quem poderia sagrar-se vencedor em cenário de destruição no mundo de Montesquieu?

Conveniente ressaltar que as etapas procedimentais para apuração de caixa 2 se assemelham às medidas adotadas para investigar corrupção e lavagem de capital. Em todos os casos, ao que parece, a regra é a do bordão popularizado pelo docudrama All the President’s Men (1976): “follow the money”.

Com ou sem respostas às indagações referidas, é certo que em um tempo marcado por crise nas instituições do Estado e severas críticas à morosidade na prestação jurisdicional, a Justiça Eleitoral do Mato Grosso demonstrou que é possível materializar sua missão institucional potencializadora do aperfeiçoamento democrático.

As ações eleitorais são especialmente tocadas pelo princípio da celeridade, corolário da garantia constitucional da razoável duração do processo, uma vez que o bem jurídico protegido – a lisura das eleições –, compromete não só o exercício pleno da cidadania mediante voto, como a legitimidade do próprio mandato dos que são eleitos em decorrência do sufrágio viciado. Rui Barbosa na famosa Oração aos Moços, de 1921, cunhou uma de suas mais verdadeiras frases: “justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. No cenário eleitoral a citada “injustiça qualificada” de Rui Barbosa ganha contornos de perfeita subsunção do fato à frase.

Em consonância com a “linha dura” que vem sendo adotada nos julgamentos do Tribunal Superior Eleitoral – e já espelhada nos diversos Tribunais Regionais –, é evidente que a busca pela inteireza democrática do sistema político-eleitoral mediante a solução definitiva dos litígios postos à apreciação da Justiça especializada com o menor tempo possível está plenamente concatenada à estrita legalidade, devido processo legal, contraditório, ampla defesa e segurança jurídica.

Ao decidir (em tempos de tribunais com funções iluministas) com celeridade, bem como adotar mecanismos eficazes para o enfretamento das distorções que tornam ilegal e ilegítimo o resultado do pleito, a Justiça Eleitoral concretiza o objetivo fundamental do Brasil, nos exatos termos do artigo 3º, da Carta Magna, que é o de constituir uma sociedade justa.

A sociedade do espetáculo e as suas sequelas

por Jorge Aragão

Por Anna Graziella e Mariana Heluy

Exatamente uma semana após a decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da competência da Justiça Eleitoral para julgamento de crimes conexos, o time da Lava Jato arreganha os dentes mais uma vez.

A prisão preventiva do ex-presidente da República, Michel Temer, nesta quinta-feira, deixou parte do país perplexa. A espetacularização da medida – dezenas de homens fortemente armados, interceptação de veículo, em avenida movimentada de São Paulo – nos impõe a conjecturar sobre o que efetivamente pretendem alguns membros do Poder Judiciário. Será mesmo o desejo de fazer Justiça que move alguns julgadores?

Inacreditavelmente, essa não é uma demanda jurídica. Por quê? Porque se direito fosse, a solução seria simples. Acessar-seia o Código de Processo Penal no artigo 312 e… mágica! Concluir-se-á que para efetivar prisões preventivas há que se ter contemporaneidade, logo, o esdrúxulo fato sequer teria ocorrido.

Apesar da legislação brasileira ser escrita, têm-se vivenciado a era da aplicação das leis oriundas dos costumes da Lava Jato. Essa operação famosa que, muitas vezes, parece querer competir em audiência com as séries bombadas do momento.

A operação que criou “uma espécie de condução coercitiva; inovou no âmbito processual e trouxe para a ordem jurídica a “delação premiada à brasileira”, aquela que acontece por pressão, por exaurimento moral e enxovalhamento de imagem.

Aquela que corrói a dignidade da pessoa humana e é aplaudida por expectadores e propagada, nas redes sociais, por meio de um movimento conhecido como “milícias digitais”.

Desta forma, a Operação Lava Jato demonstra desprezo pelo devido processo legal e aversão aos princípios e garantias constitucionais. Em nome de um combate à corrupção, alicerçada na perversa lógica de que “os ns justicam os meios” parte do Ministério Público Federal e da Magistratura fazem “mau uso” da publicidade com o intuito de formatar um exército de apoiadores.

Nesse jogo perigoso, devasta-se a relação entre os poderes Legislativo, Judiciário e Executivo e perverte-se a consciência da sociedade transformando os graves problemas em um jogo mortal dos bons contra os maus. Para o populismo de todos os dias, joga-se o senso comum contra o Poder Judiciário, reduzindo-o a imagem de “inimigo público” ou, ainda, em “demônio popular”, como nominou o desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Ney Bello, em recente artigo, tãosomente por aplicar impecavelmente os preceitos da Constituição Federal e das demais normas do arcabouço jurídico brasileiro.

A sociedade contemporânea experimenta o tempo da fake news e da modernidade líquida de Zygmunt Bauman. Considerado um dos pensadores mais importantes e populares do m do século XX, o sociólogo polonês discorreu sobre a uidez e, na modernidade líquida, o Estado perde força. As sólidas estruturas dos princípios constitucionais são temerosamente corroídas.

A relativização do acatamento às leis não pode, jamais, atingir a estrutura constitucional, que é sustentada por princípios democráticos inarredáveis. Tais princípios são alicerces do Estado Democrático de Direito. Se a legislação brasileira não atende mais aos anseios sociais, que o povo brasileiro vote, com consciência política, para formação de um Congresso atuante e preparado para executar, com competência, as modicações legais necessárias e que parecem hoje se impor.

Peço licença a Nelson Rodrigues para nalizar o citando: “Quero crer que certas épocas são doentes mentais. Por exemplo: a nossa”.

Anna Graziella Santana Neiva Costa – Advogada, Pós-Graduada em Direito Constitucional e em Ciência Jurídico-Políticas; MBA em Direito Tributário. Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas
Mariana Costa Heluy – Advogada, especialização em Gestão do Transporte Marítimo e Portos