hansninaPor Hans Nina

Amigos, pill em momentos de comoção, nada mais normal que surgirem dúvidas e questionamentos. Quando a vida de um ente querido, um amigo, um conhecido é ceifada de forma brutal, muita gente começa a questionar do porquê aconteceu, como a sociedade está insegura, quais as soluções.

Falar de segurança pública rende muito mais que um texto. É assunto para um livro. Ou melhor, uma série. Mas como tenho lido e ouvido muitas dúvidas a respeito, resolvi tentar contribuir.

De antemão, esclareço alguns pontos.

Primeiro, não irei abordar os fatores sociais, como baixos índices de educação, desemprego, moradia, saneamento básico etc. Esses tópicos seriam assunto para um dos livros da série. Os focos aqui serão os fatores ligados de forma direta a segurança pública e os pontos que vejo como chaves em cada um deles: legislação, polícias, justiça, sistema prisional.

Segundo, não esperem meias palavras. Se é para encarar de frente, vamos (e precisamos) sem fricotes e melindres. Como dizem na linguagem virtual: sem “mimimi”. Desculpem, previamente, os que não concordarem.

Terceiro, alguém pode questionar “de onde ele tirou tudo isso? Do senso comum?” Situo o leitor que não me nomeio expert em nada (arrogância não é o meu forte). Mas anos de atuação na área da segurança e mais alguns como professor, dá para ter um bom norte no assunto.

Então, vamos lá.

Legislação

Resumidamente, é péssima! O Código Penal Brasileiro é de 1940. Em 1984 passou por uma grande reforma e, de lá para cá, modificações pontuais. Fora isso, existe uma infinidade de outras leis que tratam de crimes, de forma esparsa e desconexa. Para ilustrar, imaginemos a cena de uma colcha de retalhos, feita com a sobra de tecidos. (quase toda dona de casa tem vergonha de mostrar para as visitas). Para os leigos nas ciências jurídicas, é quase impossível compreender porque um condenado não cumpre a pena que lhe foi imposta. As tais progressões de regime, as autorizações de saída, os indultos. Enfim, tudo muito lindo no papel, mas que na prática não se demonstram eficazes.

Se passarmos para a legislação processual, aquela que regulamenta o andamento dos processos, complica mais ainda. O Código de Processo Penal é um pouco mais novo que o anterior: é de 1941! Para dar uma idéia, quando fala do inquérito policial (daqui a pouco falo desse monstro), a lei menciona que o procedimento policial deve ser datilografado (“Ãaammm??”, perguntam os mais novos). Da década de 40 para cá, outra colcha de retalhos foi construída e alterações novamente esparsas e desconexas.

Nesse tópico, podemos eleger alguns culpados: deputados e senadores, responsáveis pelas alterações dessas leis, que não discutem, não debatem e não aprovam leis que funcionem. Além deles, operadores do direito, com atuação direta perante os parlamentares, são culpados por não proporem anteprojetos de lei com a vontade de melhorar. Em sua maioria, o interesse é meramente de classe.

Polícias

Alguém de fora do sistema consegue entender para que existe tanta polícia e a segurança está desse jeito? É Federal, é Civil, é Militar, Rodoviária, Ferroviária (existe!), Guarda Municipal, Corpo de Bombeiros. Meus amigos, é polícia que não acaba! Você já precisou de alguma delas? Não precisa responder.

Quando se fala nesse assunto, vem logo as pseudo soluções: aumentar os efetivos e comprar viaturas. Medidas importantes? Sim. Suficientes? Nem de longe.

Começa que as polícias militares não tem mais razão de ser. Criação do Brasil Império, fortalecida na ditadura, militar não deve cuidar da segurança de civil. Podem vir os argumentos da hierarquia e disciplina. Tanto faz. Uma coisa ou outra independem de militarização. O que esperar de um soldado que passa por situações humilhantes e vexatórias, sob o pretexto da manutenção da ordem nos quartéis, quando ele for às ruas tratar com o trabalhador e com o bandido? Qual a lógica de um Código Penal Militar, inspirado para tempos de guerra, usado para punir servidor público?

Por outro lado, as polícias Federal e Civis (estas cada Estado tem uma), são responsáveis pelas investigações. Se você ler o artigo 10 do Código de Processo Penal, encontrará o prazo que deve durar uma investigação: 30 dias. Sabe o tempo que leva a maioria dos inquéritos policiais? 6 meses, 1 ano, 5 anos… 10 anos! Isso quando chegam a algum lugar. Tem crime que prescreve (ou seja, o Estado não pode mais punir o criminoso) e a investigação nem acabou. Um verdadeiro parque de diversões para os bandidos. E esse monstro chamado inquérito policial, nada mais é que um nanico metido a gigante. Um emaranhado de folhas, depoimentos, perguntas na maioria inúteis, ofícios, carimbos. E depois tudo precisa ser refeito na Justiça. Sabe como acontece muita investigação no Brasil? Com “cartinha para a namorada”. Ou seja, papel e mais papel, ofícios envelopados, enviados pelos correios, aguardando resposta que geralmente não dizem nada. Alguém ainda manda “cartinha para a namorada” hoje em dia: Quando ligamos a TV e ouvimos: “fulano de tal foi indiciado!”, somos tendentes a imaginar “agora vai”. Vai para onde? Isso não significa nada! Os promotores, que são os responsáveis por iniciar o processo, não tem a menor vinculação com esse indiciamento. Podem discordar, ignorar, fazer aviãozinho. O que vale é a opinião deles. E depois a do juiz, lógico.

Para piorar, estão tentando transformar a polícia em algo jurídico. Delegados de Polícia conseguiram dois grandes feitos esse ano no Congresso Nacional: o primeiro foi aprovar uma lei que lhes garante o tratamento de “Excelência”. O segundo, uma Medida Provisória editada pelo governo e em vias de ser aprovada, que diz que os delegados federais são juristas. Veja o quanto a vida do povo vai melhorar com isso. Você já pode até começar a deixar a porta de casa aberta, pois o paraíso se avizinha! (PS: não faça isso, foi uma ironia). Agora pergunte o porquê de tais leis? Vaidade, desejo de igualar-se a juízes e promotores (e sem concurso). Definindo em uma palavra: (PS: a prudência aconselhou não definir). Por outro lado, tente achar um só projeto de lei que dará celeridade e eficácia às investigações. Tenha tempo e paciência para a busca.

Fora os conflitos entre as categorias policiais. Agentes são acusados por delegados de quererem ser estes. Aqueles acusam os segundos de somente intermediarem as investigações. No palavreado popular, um verdadeiro saco de gato.

Justiça

Relativamente refém da legislação e das investigações mal feitas e demoradas.

Claro que tem sua parcela de culpa, pois ouvimos diversas notícias do tal TQQ nos interiores (para quem não sabe, Terça, Quarta e Quinta, que seriam os dias efetivos de trabalho), episódios de arrogância explícita, xiliques, descontroles, medidas desproporcionais. Não vale aqui argumentar “mas não são todos que são assim”. Claro que não são. Mas a parcela que é, tem comprometido a imagem dos que não são. Quem deu uma aliviada, nos últimos tempos, nesses destemperos, foi o Conselho Nacional de Justiça, vulgo CNJ, que assumiu o papel das Corregedorias. A triste notícia é que, ao que parece, o atual presidente do CNJ tem expressado uma vontade de minguar o órgão.

Aos juízes que efetivamente trabalham (e são muitos), ficam as amarras das leis mal feitas (tema já abordado). Se aplicam a lei, são taxados de condescendentes. Se passam por cima para aplicar a efetiva justiça, fica difícil sustentar a decisão mais a frente.

Aos preguiçosos e duvidosos, aqueles que sentam, deitam, dormem e babam em cima de processos criminais, fica a parcela de culpa por mortes de pais de família.

Sistema prisional

Falar disso é quase uma piada. Daquelas de muito mal gosto.

Simplesmente não existe.

Os presídios, usando o lugar comum, são depósitos de gente. Não tem outra expressão mais apropriada. Criados para punir e para ressocializar (palavra totalmente inapropriada), na verdade amontoam gente, da pior qualidade moral e de sanidade, que se encarregam de doutrinar os mais próximos da normalidade que ali entram. Vou dizer: um ser humano que vai cumprir pena em um presídio no Brasil e sai de lá decidido a trabalhar honestamente, cuidar da família e ser um bom cidadão, esse merece uma medalha.

Não existe a efetiva preocupação em ensinar ofícios aproveitáveis, em fazer gerar a própria manutenção, em pagar (digo pecuniariamente mesmo) o seu sustento e daqueles que ele destruiu a vida do lado de fora.

Sem falar que a grande maioria dos presos (e esmagadora), é de pobres (oh novidade!). No Brasil rico não vai mesmo para a cadeia (oh novidade! X2). E quando vai, não demora. Culpa das leis mal feitas.

Aí vem uns intelectuais dizerem que “devemos tirar mais presos das cadeias”, “tem crime que não deve ter prisão”. Bobagem! Deve sim! Não sou louco de dizer que nas condições que existem hoje. Quem lembra como o uso de cinto de segurança e capacete para motociclistas passou a ser obedecido? Multas altas! Pois bem. Quem duvida que, por exemplo, uma pessoa pega dirigindo embriagada, tiver um processo rápido e for condenada a cumprir 1 dia de prisão que seja, não voltará mais a praticar tal conduta? Um gestor público ladrão, que além de perder seus bens, tiver que “tirar uma cadeia”, duvido que faça de novo.

Se formos para as penas alternativas, regime aberto, a comédia será ainda maior. Se dependesse de tanta cesta básica que é dada como cumprimento de pena, a fome do mundo tinha acabado.

Quanto aos temas uso, liberação e tráfico de drogas, corrupção de agentes públicos, pedirei licença para não tratar aqui. Ia alongar-me mais ainda do que já fui.

Acaso você ache que posso estar exagerando, que tive devaneios ao escrever essas linhas, faça um teste: escolha 3 dias. Passe cada um deles em uma delegacia ou superintendência de polícia, outro em um fórum, e o último em um presídio. Tirará suas próprias conclusões.

Pois bem, meus amigos, os problemas são muitos. As soluções teoricamente fáceis. Praticáveis? Acho pouco provável. Muita gente ia ter que abrir mão de muita coisa, abandonar projetos, desvencilhar-se de desejos. Já seria difícil ver alguém bater no peito e dizer “minha culpa, minha tão grande culpa!”.

Longe de esgotar o assunto, e aproveitando que já fiz menção a um trecho de uma prece, finalizo dando uma sugestão a todos de como se proteger: Oremos!

Hans Nina é policial e professor universitário.