Por José Sarney

Tancredo contou-me que, no Governo de Raul Soares —Presidente (governador) de Minas Gerais de 1922 a 1924 —, em Minas, ainda havia no Palácio da Liberdade um corredor por onde entrava o Presidente do Estado toda manhã. Em bancos laterais desse corredor ficavam os pedintes, e ali o Presidente fazia o seu primeiro despacho: uns pediam passagem, outros, emprego etc. Entre aquelas pessoas, havia uma senhora que nunca lhe pedira nada, mas todo dia ali se sentava. Até que, passadas umas duas semanas depois que assumira, Raul Soares perguntou-lhe:

— E a senhora, todo dia sentadinha… O que deseja?

Ela perguntou ao Presidente:

— Já voltaram a fornecer as passagens para o noturno do Rio de Janeiro?

Todo governo começava com um corte de despesas, a primeira delas era a doação de passagens. Passada a propaganda da eleição, voltava tudo a ser como dantes no quartel de Abrantes.

Em 1955, quando era deputado federal, Tancredo Neves foi encarregado por Juscelino de explicar ao Dagoberto Sales — que já tinha sido convidado por ele para Ministro da Agricultura — que ele teria de nomear para esse cargo o então Governador do Maranhão, Eugênio Barros, com quem combinara a eleição do Chateaubriand a senador pelo Estado, para, com isso, receber o apoio dos Diários Associados. Juscelino recompensaria o Maranhão nomeando Ministro da Agricultura o Eugênio Barros, em vez do Dagoberto Sales.

Passada a eleição, Tancredo evitava encontrar-se com ele: quando ia à Câmara desviava do deputado sempre que o encontrava, com vergonha da missão que lhe tinha sido confiada por Juscelino.

Um dia não teve jeito: ia subindo a escada atrás da mesa, no plenário da Câmara, que levava à Primeira-Secretaria, e Dagoberto ia descendo. Tancredo saudou-o:

— Ô Dagoberto! Que saudade! Como vai você?

— Vou como noiva em noite de lua de mel.

E o melhor da história: Eugênio Barros também não foi nomeado Ministro da Agricultura, cargo que terminou nas mãos de Ernesto Dornelles, primo de Getúlio, que acabara de encerrar seu mandato de Governador do Rio Grande do Sul, por outro desses arranjos feitos nas campanhas eleitorais.

Eugênio Barros foi mais discreto: perguntado por que não fora nomeado Ministro da Agricultura, como tinha sido noticiado, respondeu:

— Porque não fui convidado!

Na organização do Ministério, em 1985, Ulysses levou a Tancredo o protesto geral do PMDB pela escolha do Antônio Carlos Magalhães para Ministro das Comunicações.

Disse-lhe Ulysses que não tinha condições de segurar o Partido, que eles tinham como candidato Freitas Nobre ou Severo Gomes. Todos estavam revoltados com a escolha do ACM.

Então, Ulysses avisou a Tancredo:

— Você vai ser obrigado a enfrentar uma briga muito grande com o Partido, com os candidatos, com as lideranças por causa disso. Pense bem, Tancredo, arrume um lugar de embaixador para o Antônio Carlos.

Tancredo bateu na perna do Ulysses e disse-lhe:

— Olhe, Ulysses, eu brigo com o Papa, brigo com o Partido todo, brigo com as lideranças, brigo até com você: eu só não brigo com o Dr. Roberto Marinho, que nada me pediu e merece minha atenção.